ANIVERSÁRIOS: a fila anda...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
É muito estranho escrever no dia do próprio aniversário.
Muito mesmo, diga-se. Sei lá o que significa “apagar as velas”, mas, a cada dia
parece algo mais temeroso. “eu dizer dos cumprimentos que apelam para “mais uma
primavera”, em particular quando se aniversaria em plenas “águas de março, fechando o verão”. Seja como for, assumir
a idade implica balanços sobre o existir e isso remete a zonas filosóficas
conturbadas, obscuras e nem sempre nítidas. Invejo aquelas pessoas que nem
ligam para o pretérito e seguem vivendo como se a existência fosse mais
presente e futuro do que passado. Mas, sou dos “outros”, dos que acham que o
passado é o presente ainda não acabado e que carece de desdobramentos. Engrosso
a linha dos que acham que tudo continua e que não há capítulos findos ou
desconexos. Sendo assim, viver o aniversário é como mergulhar em si mesmo, no
momento mais solene do ano e exposto aos olhos de quantos nos cercam,
familiares e amigos. E, desta forma, não há como fugir dos juízos que exigem
algumas respostas fundamentais como: tem
valido a pena viver?
Por favor, não pensem que estou melancólico,
imbuído de pessimismo ou algum mau presságio. Nada disso. Gosto do meu
envelhecer. Assim, devo esclarecer de saída que não temo minha morte. Pelo contrário,
sem venerá-la, quero sentir seu abraço fatal quando chegar a minha vez. E que
seu beijo nos seja consciente, pleno e se possível delicado. Acho que não
lutarei pela vida, além do que ela já terá sido. O que me perturba muito é ver
a morte alheia cada vez mais frequente. E como elas se multiplicam sem cuidado
em ferir os que ficam. Medindo a fila que não cessa de aumentar, fico meditando
sobre o sentido da existência em suas marcações impostas pela sina do
calendário que vai, do seu jeito, escolhendo quem será o próximo. Pensar em
quantos nos deixaram é como medir a vida pelos que se despediram antes e que,
em recordações esfumaçadas, vão se distanciando, se deixando esquecer. E assim,
não há como legar ao abandono a relação de tudo com o movimento voraz da vida e
com o que realmente significa a morte. Sim, morremos de verdade quando ninguém
mais sabe de nossa existência. O passado é muito rápido, muito ligeiro, e vai
comendo reminiscências que, estas sim, envelhecem sem preocupação com qualquer
futuro.
Não vou pôr em discussão a existência ou não de
vida depois da morte. Como historiador, sei que deveria estar mais preparado
para perceber o declínio de tudo. História é a luta pela legitimação da
memória, pelo reconhecimento do sinal das coisas que devem ficar. Mas na
seleção do que valeu, obrigatoriamente, mitiga-se o que é fátuo e viramos, no
máximo, saudade. Aprendemos nessa lição o sentido de nossa insignificância. E
então perguntamos: quem há de se lembrar de nós? Até onde alguém vai saber do
sentido que procurei dar à minha experiência? Por quanto tempo perdurará nossa recordação?
Quando olho a história de minha família, vejo pálidos vestígios de pessoas que
foram heroicas, mas das quais pouco sei, ainda que tenham sido gente brava que
atravessou o oceano e plantou a vida no Brasil, pessoas que lutaram contra a
pobreza absoluta, que rasgaram estatutos identitários originais e que
sobreviveram aprendendo outras línguas e costumes. Por certo, sou-lhes grato e
reconhecido, mas, quando medido o desconhecimento que tenho de meus bisavós,
fico perplexo e relativizo a vaidade de minhas toscas conquistas. De que valeu
a façanha de nossos antepassados, se deles as memórias vão se apagando?
Certamente, meus netos terão pálidas lembranças de minha passagem e formação
familiar. E é bom que seja assim, pois seria mais difícil viver se as
lembranças insistissem em montar praça.
A depuração destas meditações indica algo importante: tenho que amar mais os seres que animam meu viver. Entendo melhor agora, mais velho, o sentido da vida que pulsa no reconhecimento da partilha da vida. Nessa direção respondo a pergunta sobre a força do existir: sim, está valendo a pena, tanto que registro isso nesta crônica escrita em saudação aos parentes, amigos e pacientes leitores.
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