O MASCULINO E O FEMININO PARA
OS “VELHINHOS DE TAUBATÉ”
José Carlos Sebe Bom Meihy
Luiz Fernando Verissimo é notável.
Talvez, seja o nosso melhor cronista vivo, e, entre seus muitos personagens, um
dos mais destacados é “a velhinha de Taubaté”. Ele próprio declarou que não
sabe bem porque escolheu Taubaté como local de onde a protagonista, que ficou
famosa, vertia suas ideias sempre retrógradas. Com certeza, a figura surgiu
durante o governo do General Figueiredo e representava o último baluarte da defesa
do conservadorismo. Aliás, em crônica de setembro de 2005, o próprio Verissimo,
que já havia matado a velhinha, escreveu dizendo “prosseguem as investigações sobre a morte da ‘Velhinha de Taubaté’, que
ficou conhecida nacionalmente por ser a última pessoa no Brasil que ainda
acreditava no governo. O inquérito está sendo conduzido pela Polícia Federal e
pelo Ministério Público, dada a repercussão do caso. Um promotor sai de cinco
em cinco minutos da sala em que está sendo interrogado o gato da Velhinha, o
Zé, para informar à imprensa o que se passa lá dentro, embora o gato tenha, até
agora, dito muito pouco. ‘Miau’, basicamente”. Não sou vidente, mas, sobre
isso tenho umas hipóteses que são até bem esquisitas.
Outra opinião que tenho remete
a um dos aspectos mais interessantes da minha querida cidade adotada: os
espaços urbanos e suas ocupações pelos gêneros, masculino e feminino!... Ah!
Como Taubaté é distinta de todas as demais congêneres. É única, sem dúvidas. Um
dos lances mais curiosos dessa trama remete aos usos dos espaços públicos e
privados. Por lógico, essa divisão é universal, existe em todos os quadrantes,
mas o que nos distingue é o fato das apropriações por gêneros. Que outra cidade
no mundo teve, por exemplo, uma missa só para os homens? Havia uma “sessão
religiosa” exclusiva para senhores, às 9h00, invariavelmente aos domingos. E
era concorrida, acreditem. Pensa que acabou aí? Nada! Na igreja havia espaços
para congregações religiosas e quase que estamentalmente os grupos se subdividiam.
E como era solene: meu paí, por exemplo, ia de terno e gravata. Eu ainda o ouço
cantando “levantai-vos, soldados de
Cristo...”
Os domínios masculinos também
se dimensionavam na jornada ao Mercado Municipal. Explico: ir às compras era
coisa de mulher, das esposas, mas os homens, os maridos, ficavam no centro
conversando, trocando ideias, discutindo o futebol. Realizadas as tarefas, as
mulheres se dirigiam aos respectivos e juntos retornavam para seus lares, eles
carregando as bolsas. Como morava em frente ao Mercado, gostava imenso de ver
tais cenas, que, mesmo não sendo da maioria, era de parte representativa dessa
divisão de papéis de gênero.
Mesmo os jovens exercitavam
tais práticas. Às saídas do cinema, em particular nos sábados e domingos, havia
um delicioso footing. Sim, escrevi footing, como era conhecida a andança.
Digo andança porque os homens, meninos ainda, ficavam parados nas calçadas e as
moças andavam indo e voltando. E era uma festa só. Testemunhei muitos namoros
que engataram a partir desse ritual. Sinal da desavença, quando rompiam também
os casais, segundo o gênero, assumiam seus lugares: homens em pé, parados;
mulheres andando...
E por falar em ritual, havia
também divisão significativa nas procissões. E nem pensem que “acompanhar
procissão” era coisa de mulher. Nada. Os homens iam e muitos eram fervorosos, os
“congregados marianos” (adultos), e os “cruzados” (meninos). Havia uns préstitos
mais concorridos que outros, e, nessa linha, nenhum ganhava da procissão de São
Benedito. E tinha até sequência de cavaleiros. Tudo muito masculino, coisa de
homem, de pai para filho e antes das mulheres vinham os homens, muitos vestidos
com a opa beneditina. Na linha religiosa, as famílias insistiam nos colégios
exclusivos para moças e para rapazes. As meninas iam ao Nossa Senhora do Bom
Conselho; os meninos ao Colégio Diocesano. Diria que demorou para que as
escolas públicas, mistas, ganhassem a preferência. Tardou muito também o fato
dos educandários confessionais se abrirem para os dois gêneros.
É claro que o futebol era
coisa de homem. É verdade que mulher ia ao “Esporte”, mas sempre acompanhada. A
praça da Catedral era espaço dominante dos homens, que, em rodinhas, se
acertavam e resolviam temas típicos do tempo. Havia também locais proibidos, as
chamadas “casas de tolerância”, locais em que os homens ostentavam a
masculinidade e as moças que trabalhavam lá eram justificadas como “mal
necessário”. Mas não convém esquecer, na linha das contravenções dos carteados.
Sabia-se de salas escondidas, camufladas, onde a fumaça dos cigarros provava o
ambiente masculino.
E adiantando os códigos
diferenciadores, tínhamos então que calça comprida era coisa de macho. Demorou
muito para as mulheres de Taubaté se permitirem ser mais avançadas. O mesmo se
diz de cigarros e até de dirigir. Bem, assim começamos a extrapolar os limites
da minha cidade e se percebem generalidades. De toda forma, acima de qualquer
suspeita, porém, cabe evocar a velhinha e os velhinhos de Taubaté. Depois deste
inventário, pergunto sem pudor: será que Veríssimo nunca esteve em Taubaté?
Será?...
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