terça-feira, 25 de abril de 2017

TELINHA QUENTE 256

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Roberto Rillo Bíscaro

Lá pela metade do segundo capítulo de Doctor Foster (2015) anotei mentalmente: se escrever sobre a série da BBC, não cair no chavão de dizer que nem no inferno existe fúria tão descomunal quanto a de uma mulher desprezada. Não se passaram 10 minutos e a própria protagonista Gemma Foster lê a citação da peça de William Congreve. Além de me permitir ser clichê, o uso da batida fala de Zara, em The Mourning Bride (1697), marca bem a linha fina pela qual caminham os 5 capítulos: vontade de ser inteligente, mas frequentemente resvalando pro já muitas vezes visto e pro melodramático. E isso não significa que seja ruim, apenas não é o Cenas De Um Casamento que aspira a ser. Doctor Foster é um drama pra TV muito do assistível; o último capítulo então, é uma cacetada. 
Gemma Foster (Suranne Jones, perfeita) é uma médica trabalhadeira e praticamente sustentando a casa, porque o marido Simon está envolvido num grande projeto imobiliário na pequena cidade onde vivem. Gemma é meio arrogante, não tem tanto tempo pro filho, mas é competente e aparenta estar sempre no controle. Mas, o casal se ama. Ate que... Até que ela acha um fiozão de cabelo loiro num cachecol do marido. No começo o espectador fica em dúvida se não é coisa da cachola da médica. Isso não importa muito e nem o desenrolar, algo óbvio. O que conta é a reação da Doutora Foster e é aí que reside um dos pontos mais fracos. Em um momento ela é racional e intelectualizada, nem bem instaura-se a suspeita e já a vemos tornar-se íntima duma paciente que quer remédios pra dormir (ela troca medicamentos por informações) e dirigir desvairada pela urbe.
Talvez fosse proposta mostrar como nossa capa de razão é facilmente esgarçável. Se for isso, precisaria resolver melhor no roteiro, mas não duvido que espectadores vários devam ter utilizado essa abordagem. O que não dá pra disfarçar é o determinismo moral simplista do tipo “homem trai; mulher tem vontade, mas consegue segurar” e nem a tendência do criador Mike Bartlett de verbalizar mais as supostas “faltas” de Gemma. Ainda bem que isso é relativizado no desenlace, especialmente na reação do filho, ao final do capítulo derradeiro.
Defeitos há, mas quem gosta de um bom drama com lances noveleiros domesticados e boas atuações com sotaque britânico, sucumbirá perante Doctor Foster. Infantis ou não, é engajador observar as reações e maquinações de Gemma; a cumplicidade de quem supõe manter-se neutro, mas ao silenciar escolhe um lado; a facilidade com que reputações são manchadas. Doctor Foster é muito sobre instabilidade rondando superfícies aparentemente tranquilas, em mais de uma esfera. E a cena em que Gemma solta os cachorros é pra se ver mais de uma vez.

A BBC anunciou segunda temporada, mas enquanto ela não chega, a primeira está até na Netflix, com dublagem em português e tudo, pra quem não curte legenda. 

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