Roberto Rillo Bíscaro
Lá pela metade do
segundo capítulo de Doctor Foster (2015) anotei mentalmente: se escrever sobre
a série da BBC, não cair no chavão de dizer que nem no inferno existe fúria tão
descomunal quanto a de uma mulher desprezada. Não se passaram 10 minutos e a
própria protagonista Gemma Foster lê a citação da peça de William Congreve.
Além de me permitir ser clichê, o uso da batida fala de Zara, em The Mourning
Bride (1697), marca bem a linha fina pela qual caminham os 5 capítulos: vontade
de ser inteligente, mas frequentemente resvalando pro já muitas vezes visto e
pro melodramático. E isso não significa que seja ruim, apenas não é o Cenas De
Um Casamento que aspira a ser. Doctor Foster é um drama pra TV muito do
assistível; o último capítulo então, é uma cacetada.
Gemma Foster
(Suranne Jones, perfeita) é uma médica trabalhadeira e praticamente sustentando
a casa, porque o marido Simon está envolvido num grande projeto imobiliário na
pequena cidade onde vivem. Gemma é meio arrogante, não tem tanto tempo pro
filho, mas é competente e aparenta estar sempre no controle. Mas, o casal se
ama. Ate que... Até que ela acha um fiozão de cabelo loiro num cachecol do
marido. No começo o espectador fica em dúvida se não é coisa da cachola da
médica. Isso não importa muito e nem o desenrolar, algo óbvio. O que conta é a
reação da Doutora Foster e é aí que reside um dos pontos mais fracos. Em um
momento ela é racional e intelectualizada, nem bem instaura-se a suspeita e já
a vemos tornar-se íntima duma paciente que quer remédios pra dormir (ela troca
medicamentos por informações) e dirigir desvairada pela urbe.
Talvez fosse
proposta mostrar como nossa capa de razão é facilmente esgarçável. Se for isso,
precisaria resolver melhor no roteiro, mas não duvido que espectadores vários
devam ter utilizado essa abordagem. O que não dá pra disfarçar é o determinismo
moral simplista do tipo “homem trai; mulher tem vontade, mas consegue segurar”
e nem a tendência do criador Mike Bartlett de verbalizar mais as supostas
“faltas” de Gemma. Ainda bem que isso é relativizado no desenlace,
especialmente na reação do filho, ao final do capítulo derradeiro.
Defeitos há, mas
quem gosta de um bom drama com lances noveleiros domesticados e boas atuações
com sotaque britânico, sucumbirá perante Doctor Foster. Infantis ou não, é
engajador observar as reações e maquinações de Gemma; a cumplicidade de quem
supõe manter-se neutro, mas ao silenciar escolhe um lado; a facilidade com que
reputações são manchadas. Doctor Foster é muito sobre instabilidade rondando
superfícies aparentemente tranquilas, em mais de uma esfera. E a cena em que
Gemma solta os cachorros é pra se ver mais de uma vez.
A BBC anunciou
segunda temporada, mas enquanto ela não chega, a primeira está até na Netflix,
com dublagem em português e tudo, pra quem não curte legenda.
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