Roberto Rillo Bíscaro
Devo ter ouvido falar em Bette Davis e Joan Crawford, no
início dos anos 80. A segunda, devido à contestada e controvertida
autobiografia de sua filha adotiva e a primeira por causa do sucesso Bette
Davis Eyes, de Kim Carnes.
Ainda nos 80’s, vi Jezebel (1938) numa daquelas sessões
da madrugada de quarta-feira na Globo, que só exibiam “clássicos”. Que feia a
olhuda Davis! Não entendi porque tanta babação de ovo. Vi também Vitória Amarga
(1939) e a simpatia começou a nascer; que dramalhão. Nos 90’s, em VHS, vi
Pérfida (1941), e adorei Bette. Não a vira atuar em inglês e aquela personagem
proto-JR Ewing, da Lilian Hellman, me agradou em cheio. Ainda recomendo.
Crawford demorei muito pra conhecer. Antes assistira à
leitura cinematográfica da autobiografia Mommie Dearest. Faye Dunaway
ensandecida e canastrona, espancando a menina com cabide de arame; clássico camp, amo demais. No wire hangeeeeeeeeeeeeeeeers! Quando vejo esses objetos lembro da
cena e rio. Sabia da rixa com Davis; da decadência nada glam que a levou a fazer cine trash,
tipo Trog (1970), que nem este fã de podreira sci-fi/horror teve coragem de ver
ainda. Finalmente, nos 2000’s conferi alguma coisa da garota-propaganda da Pepsi
e amei Mildred Pierce (1945; olha a delícia do título em português: Alma em
Suplício), base de parte do roteiro do sucesso global oitentista Vale Tudo.
Achei Crawford tão boa e a película tão absorvente, que desisti da minissérie
de 2011 estrelada por Kate Winslet, logo na metade do capítulo 2.
Davis e Crawford desenvolveram ódio competitivo durante
suas carreiras, especialmente, nos seus picos, os anos 1930 e pedaço dos 40.
Coestrelaram em apenas uma produção, o clássico cult O Que Terá Acontecido a Baby Jane (1962), que também custou-me
ver, acreditam? Sabia a história, vira cenas, mas sei lá, vi só com os 2000’s
bem avançados em idade, como as duas.
Na década de 1960, as duas ex-deusas estavam envelhecidas
e não conseguiam papéis. O estouro de Psicose (1960) fez com que os estúdios
voltassem seus olhares cúpidos pro terror, mas estrelas que se prezassem ainda
o desprezavam. “Arte” era drama, filme “sério”, história de amor, essas coisas.
Desesperadas por atenção e dinheiro, Davis e Crawford se aliaram fugazmente pra
botar o projeto de pé, mas muito antes da conclusão das filmagens a trégua
rompera-se e o feudo reincendiou colunas de fofocas, incentivadas pelo próprio
estúdio. Cada farpa entre Bette e Joan rendia pauta pra jornais e promoção pro
filme. Que fossem 2 mulheres de meia-idade desesperadas não fazia a menor
diferença; o que importava eram os lucros e o entretenimento.
Ryan Murphy – onipresente atualmente, junto com Shonda Rhimes – é o criador da série Feud, pro canal FX, cujos 8 excelentes capítulos
da primeira temporada tematizaram a discórida entre as atrizes, desde a
concepção do projeto Baby Jane, até o falecimento de Crawford, em 1977. Feud tinha
todos os elementos pra se transformar num grande tabloide retrô filmado, mas
Murphy calibrou com maestria os necessários momentos de pura mesquinhez
narcisista das desbotadas estrelas, com profunda compreensão/compaixão pelos
motivos que as levaram a ser destrutivamente competitivas e resilientemente
duras.
Como se não bastasse a carreira naufragada pela
implacável idade – nos 1950’s ambas não eram mais nada – cada uma lutava com
seus demônios pessoais, muitos insuflados pelo próprio sistema de estúdios,
contratos e estrelato de Hollywood. Crawford era insegura com relação a sua
capacidade interpretativa e Davis quanto à aparência. Durante seu reinado, Joan
fora paparicada pela beleza; Bette, pelo talento dramático. O roteiro também
aponta pra horrível história de vida de Crawford, que comeu o pão que o diabo
amassou antes de virar símbolo sexual.
Feud apresenta mais do que 2 velhas caricatas disputando
migalhas num mundo onde já eram peças de museu freak há uma geração. São pessoas multifacetadas e fascinantes,
incrivelmente fragilizadas por um sistema brutal, onde o sol não nasce pra
todos; pelo contrário, é ultrasseletivo. E, claro, há as brigas e discussões
deliciosas, a manobra de Crawford pra estar na festa do Oscar, que nenhum
ficcionista faria melhor, e muito vestidão, carão, glamour pretendido, mas
datado e de dar pena. E é esse o ponto fulcral da superficialmente divertida
Feud: apesar dos milhões e da boa vida, os egos daquelas mulheres eram
buracos-negros de necessidade de atenção e validação; provavelmente nem durante
o período áureo conseguiram realmente ser felizes. Feud é de uma tristeza
avassaladora.
Era preciso um par excelente de atrizes pra não cair na
caricatura ou imitação barata, mesmo com roteiro tão bom. Jessica Lange
(Crawford) e Susan Sarandon (Davis) chefiam um elenco soberbo, onde estão
Catherina Zeta-Jones, Steven Tucci, entre tantos outros destaques. Na batalha
entre Lange e Sarandon, a primeira leva vantagem. Ela está o tempo todo
impecável; a segunda de vez em quando escorrega prum nível menos bom.
Feud é daquelas séries viciantes, pra ver de maratona e
ficar ansioso à espera da segunda temporada, que abordará a rusga entre Charles
e Diana. Promete. E já aviso, sou Diana!
E com relação a Joan e
Bette, quem sou? Crawford, sempre muito mais caruda.