Roberto Rillo Bíscaro
Diversas vezes afirmei que os anos 90 meio que passaram
em branco musicalmente, porque eu estava mais interessado em rechear minha
coleção de produtos relacionados ao Genesis e ouvir coisas oitentistas. Mas,
claro que vários artistas chamaram minha atenção, especialmente na primeira
metade do decênio, ainda na ressaca da década anterior.
Em 1994, meu amigo Jayme apareceu com a trilha
internacional da novela A Viagem e disse que eu deveria atentar pruma canção
muito etérea, chamada Linger. A profusão de cordas e o vocal feminino me
encantaram. Não fui o único. Durante uns 3, 4 anos, o planeta paparicou o The
Cranberries com seu pop-rock filhote de Smiths com o dream pop psicodélico das bandas de nome curtinho da virada pros
90’s, tipo Ride e Lush. Dreams, Ode To My Family, Zombie; foram vários singles de sucesso, que começou a
minguar conforme os irlandeses ficavam mais pesaditos e políticos.
Exceto por volta e meia reouvir a verve da sempre
cantarolada Ridiculous Thoughts, no Youtube, fazia umas 2 décadas que não
pensava nas frutinhas vermelhas e eis que dia 28 de abril, Dolores O'Riordan
(voz), Noel Hogan (guitarra), Mike Hogan (baixo) e Fergal Lawler (bateria)
biparam meu radar, com o lançamento de Something Else. É uma coletânea dos
maiores sucessos regravados acusticamente e com a participação da Orquestra de
Câmara Irlandesa, cujo estúdio na Universidade de Limerick (terra-natal dos
Cranberries) foi usado pra gravar as 13 faixas: dez regravações; 3 inéditas.
O resultado é bastante bom, com canções como Linger
ficando ainda mais delicadas e lindas. Confira a balada cinquentista When
You’re Gone, que ganha até banjo. A longo prazo, porém, a sobreposição dos
violões acústicos dos Cranberries com as cordas da orquestra torna-se uma massa
sonora – ainda que lírica e harmoniosa – indistinguível. Faixas cujos originais
eram mais agressivos, como Zombie e Ridiculous Thoughts, adquirem nuanças
novas, mas será que algum fã troca? Prefiro o vigor dos singles noventistas nesses casos.
A voz distintiva de Dolores O’Riordan sempre foi um dos
pontos fortes dos Cranberries. Sucesso pop não vem necessariamente pra quem tem
a melhor voz à conservatório musical, mas pros que tem gogó marcante dalgum
modo. Aos 45 anos, seu vocal não apenas encontra-se no topo, mas está mais rico
e sua pronúncia mais clara (ou sou eu que entendo melhor inglês agora?).
Essa expertise vocal salta
aos ouvidos na minha favorita dentre as inéditas, The Glory, onde ela consegue
fazer canto de fadinha twee pop, sobre
melodia de partir o coração. O single promocional de Something Else foi a faixa
de encerramento, Why, emocionante balada sobre a perda do pai de O’Riordan.
Rupture, a terceira inédita, não faz falta.
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