segunda-feira, 22 de maio de 2017

CAIXA DE MÚSICA 266


Roberto Rillo Bíscaro

Os anos 80 são comum e vulgarmente citados como a década do exagero. Cabelos se armavam em torres ou despencavam em cascatas multifonrmes; sempre armados, lotados de gel. Ombros masculinos e femininos pareciam de jogador de futebol americano, de tão largos, graças a ombreiras cada vez maiores. Roupas e acessórios se sobrepunham em combinações policromáticas de puro exagero. Na TV imperou a opulência escapista de séries como DALLAS e Dynasty (que o canal CW promete ressuscitar). Yuppies consumiam água mineral engarrafada Evian e cocaína como se fossem água.
Musicalmente, a primeira metade foi dominada pelas torrentes criativas do synthpop, New Romantic, New Wave, pós-punk, enfim, filhotes da suruba glam, punk, prog, discoBowie, Chic, Blondie, Roxy Music, Giorgio Moroder e Kraftwerk dos 70’s. Mais para a segunda metade, acentuou-se a estridência e a superprodução, saturada de efeitos e da grande praga musical do decênio: a bateria eletrônica. Iniciava-se a Guerra dos Volumes, como apontou o crítico Rafael Senra.
Feliz e acertadamente, o supergrupo Dreamcar colheu do solo mais fértil dos 80’s e seu LP homônimo de estreia, lançado dia 12 de maio, não vai muito além de 1984. Pode até ter um bocadinho de Depeche Mode fase Black Celebration (1986), mas é suave; a ênfase é na New Wave dançante da glamurosa alvorada oitentista.
Dreamcar é a fusão do vocalista Davey Havok, da banda AFI com a parte instrumental do No Doubt. Como Gwen Stefani está ocupada sendo jurada de show de calouros hype, Tony Kanal (baixo), Tom Dumont (guitarra) e Adrian Young (bateria e percussão) juntaram-se a Havok em projeto paralelo que expressasse seu grande amor pela música de mais de três décadas atrás. O resultado são doze canções que parecem álbum de grandes sucessos ou coletânea de pérolas perdidas da década do PacMan.
Experientes buriladores, os quatro não perdem tempo na fórmula do pop viciante: alguns segundos de introdução, primeiro verso e logo entra o refrão, sempre energético, mesmo nas músicas midtempo. Quando esse refrão entra, remanescentes/amantes dos anos oitenta desejarão colorir o rosto com muita maquiagem, untar o cabelão com potes de gel, combinar peças de roupa verde-limão com cor de laranja e lilás e ir para algum estádio pular e acender isqueiro.
Dreamcar é puro pop de arena com deliciosos solos de guitarra e muita, mas muita mesmo, influência do Duran Duran. Os Fab Five são a inspiração para a canção de abertura, After I Confessed e Do Nothing. Tente ouvir e ficar quietinho. Impossível; dá ganas de gritar o nome de nosso duranie favorito (tenho 2, Simon e Nick). Essas são calcadas na fase primeira do DD2, ao passo que On The Charts é de quando funkearam com Nile Rodgers.
Sem ser cópia escarrada de quase nada, o Dreamcar exibe uma influência atrás da outra. Em Kill For Candy, o baixo soa como o de Peter Hook, ao passo que em Ever Lonely vocais e a bateria que evocam o The Cure (fase Pornography). Mas o clima não é o gótico do cabelão e maquiagem cuidadosamente mal-feita e sim de Talk Talk. All Of The Dead Girls brinca com a batida percussiva de Adam & The Ants e Born To Lie é como se A Flock Of Seagulls tivesse reencarnado. Em The Assailant o vocal de Havok assume o mesmo drama de Andy Bell, mas quando entra o coro, o clima muda para Depeche Mode. Grande ironia – intencional? – porque Erasure e Depeche se detestavam no auge das carreiras.
Com paleta sonora propositalmente menor e geograficamente enfatizando a Inglaterra, o álbum consegue o mesmo feito de The Desired Effect (2015), de Brandon Flowers: inventar sonoridade oitentista que nunca existiu do jeito apresentado pelo álbum, porque na época estava fragmentada entre diversos artistas. Por isso esses álbuns soam criativos e frescos, não meros clones. 

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