quarta-feira, 10 de maio de 2017

CONTANDO A VIDA 188

SAUDAÇÃO ÀS MÃES: ROMARIA...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Sou daqueles que não se cansam de ouvir a canção “Romaria” de autoria de Renato Teixeira. Não é à toa que essa música está entre as dez mais tocadas no Brasil.  E faz tempo... De tão devoto, resolvi tentar uma genealogia e assim parti para o levantamento do assunto. Encontrei uma espécie de genealogia que elenco como raiz do tema. Eis os títulos, autores e datas:
1-Aparecida do Norte com Tonico e Tinoco (1958), de Anacleto Rosas Jr e Tonico.
2-Romaria a Aparecida com Luizinho e Limeira (1959),  composição de Anacleto
Rosas Júnior em parceira com Luis Rosas Sobrinho (Filho do Anacleto Rosas)
3-   A Marca da Ferradura com Tonico e Tinoco (1960), de Lourival Santos e Riachão
4-  Ceguinha com Abel e Caim (1968), de Paulo Calandro e Zé Mauro
5-  Virgem Aparecida com Vieira e Vieirinha (1968), de Léo Canhoto e Benedito Seviero
6-  Milagrosa Nossa Senhora com Tonico e Tinoco (1969), de Dino Franco
7-   Visita À Nossa Senhora Aparecida com Moreno e Moreninho (1974), de José Alves           e Moreno
8-   Pedido a Nossa Senhora Aparecida com Vieira e Vieirinha, de Vieira e Vicentinho
9-   Oh! Senhora Aparecida com Gino e Geno, de Gino e Dolival
10-  Nossa Senhora Aparecida com Rick e Renner, de Rick Sollo
11-   Nossa Senhora, com Marciano, de Roberto Carlos
12-   O Milagre da Flecha com Moacyr Franco, de Moacyr Franco
13-   Exemplo de Humildade com Tião Carreiro e Pardinho, de Tião Carreiro e Dino Franco
14-   Romaria com Renato Teixeira (1973), de Renato Teixeira

O exame das letras indica o desdobramento da fé segundo a tradição ritualística das romarias. Ao contrário do que se pensa, nada é tão antigo como parece e sabe-se que a locomoção até a “capital da fé” é uma tradição recente, inventada. Isso, contudo, não diminui a prática que remete às epopeias devotas datadas da Idade Média. No nosso caso, a popularização dos meios de transporte faz repontar disputas entre a memória de uma cavalaria – onde o fiel cumpriria a promessa vindo a pé ou a cavalo. A repetição de alguns motes como a visita à imagem causadora desse culto de fé, Aparecida do Norte, no estado de São Paulo, serve de base para se pensar na formulação do mito de uma “cidade sagrada” (daí o nome Romaria). Aliam-se assim dois fatores complementares: a imagem da Senhora Aparecida e a constituição de uma “capital da fé”, espécie de referência obrigatória para a homenagem à “Padroeira do Brasil”. Alguns desses detalhes podem ser encontrados já na letra da canção inaugural dessa sequência. “Aparecida do Norte”, composta por Anacleto Rosas Jr e Tonico, da dupla Tonico e Tinoco, indica caminhos:
 
Já cumpri minha promessa na Aparecida do Norte 

E graças a Nossa Senhora não lastimo mais a sorte 
Falo com Fé: - Não lastimo mais a sorte 
Já cumpri minha promessa na Aparecida do Norte.

Eu subi toda a ladeira sem carência de transporte 

E beijei os pés da Santa da Aparecida do Norte 
Falo com Fé: - Da Aparecida do Norte 
Eu subi toda a ladeira sem carência de transporte.

Não tenho melancolia, tenho saúde sou forte 

Tenho fé em Nossa senhora da Aparecida do Norte 
Falo com Fé: Da Aparecida do Norte 
Não tenho melancolia, tenho saúde sou forte

Padroeira do Brasil Aparecida do Norte 

Eu também sou brasileiro sou caboclo de suporte 
Falo com Fé: Sou caboclo de suporte 
Padroeira do Brasil Aparecida do Norte

Todo meado do ano enquanto não chega a morte 

Vou fazer minha visita na Aparecida do Norte 
Falo com Fé: Na Aparecida do Norte 
Todo meado do ano enquanto não chega a morte.

Nessa canção foram colocados alguns elementos importantes para a construção da memória popular afeita à Nossa Senhora e sua projeção nacional. Além da referência explícita à situação de Aparecida do Norte e da identificação com o contexto católico brasileiro, colocado como um todo homogêneo, nota-se a ratificação da imagem como “Padroeira do Brasil”. E junto desdobram-se qualificativos importantes como “eu também sou brasileiro, sou caboclo de suporte”. Por certo, ser caboclo não é pouca coisa na identidade brasileira/popular. A rima “Aparecida do Norte/morte”, por sua vez, revela a importância da bênção derivada de promessa – de onde vem a noção de romaria. Item relevante, a presença da palavra “transporte”, não apenas significando movimento de outras partes para a cidade religiosa, mas também, na descrição do local, por meio da ladeira que conduzia à antiga Basílica. Não menos saliente é a referência à saúde e ao compromisso de, enquanto viver, cumprir a promessa.

Muito além da riqueza expressa pela releitura feita por Renato Teixeira, cabe supor a beleza na adaptação de uma prática religiosa transposta para nossos dias. Isso negocia nossa identidade e, sobretudo revela um dos traços mais marcantes da sensibilidade brasileira: o culto à “mãe de Deus e nossa”. Foi pensando na saudação à nossa Padroeira que pensei no abraço a ser dado a todas as mães vivas... E para os que não as têm mais, como eu, vale cantar “Romaria” e supor proteções.

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