SAUDAÇÃO
ÀS MÃES: ROMARIA...
José Carlos Sebe
Bom Meihy
Sou
daqueles que não se cansam de ouvir a canção “Romaria” de autoria de Renato
Teixeira. Não é à toa que essa música está entre as dez mais tocadas no
Brasil. E faz tempo... De tão devoto,
resolvi tentar uma genealogia e assim parti para o levantamento do assunto.
Encontrei uma espécie de genealogia que elenco como raiz do tema. Eis os
títulos, autores e datas:
1-Aparecida
do Norte com Tonico e
Tinoco (1958), de Anacleto Rosas Jr e Tonico.
2-Romaria a
Aparecida com Luizinho
e Limeira (1959), composição de Anacleto
Rosas Júnior em parceira com Luis Rosas Sobrinho
(Filho do Anacleto Rosas)
3- A Marca da
Ferradura com Tonico
e Tinoco (1960), de Lourival Santos e Riachão
4- Ceguinha com Abel e Caim (1968), de Paulo Calandro e Zé
Mauro
5- Virgem
Aparecida com Vieira e
Vieirinha (1968), de Léo Canhoto e Benedito Seviero
6- Milagrosa Nossa Senhora com Tonico e Tinoco (1969), de Dino Franco
7- Visita À Nossa Senhora Aparecida com Moreno e Moreninho (1974), de
José Alves e Moreno
8- Pedido a Nossa Senhora Aparecida com Vieira e Vieirinha, de Vieira e
Vicentinho
9- Oh! Senhora
Aparecida com Gino e
Geno, de Gino e Dolival
10- Nossa
Senhora Aparecida com
Rick e Renner, de Rick Sollo
11- Nossa Senhora, com Marciano, de Roberto Carlos
12- O Milagre
da Flecha com Moacyr Franco,
de Moacyr Franco
13- Exemplo de Humildade com Tião Carreiro e Pardinho, de Tião
Carreiro e Dino Franco
14- Romaria com Renato Teixeira (1973), de Renato Teixeira
O exame das letras
indica o desdobramento da fé segundo a tradição ritualística das romarias. Ao
contrário do que se pensa, nada é tão antigo como parece e sabe-se que a
locomoção até a “capital da fé” é uma tradição recente, inventada. Isso,
contudo, não diminui a prática que remete às epopeias devotas datadas da Idade
Média. No nosso caso, a popularização dos meios de transporte faz repontar
disputas entre a memória de uma cavalaria – onde o fiel cumpriria a promessa
vindo a pé ou a cavalo. A repetição de alguns motes como a visita à imagem
causadora desse culto de fé, Aparecida do Norte, no estado de São Paulo, serve
de base para se pensar na formulação do mito de uma “cidade sagrada” (daí o
nome Romaria). Aliam-se assim dois fatores complementares: a imagem da Senhora
Aparecida e a constituição de uma “capital da fé”, espécie de referência
obrigatória para a homenagem à “Padroeira do Brasil”. Alguns desses detalhes
podem ser encontrados já na letra da canção inaugural dessa sequência. “Aparecida
do Norte”, composta por Anacleto Rosas Jr e Tonico, da dupla Tonico e Tinoco,
indica caminhos:
Já
cumpri minha promessa na Aparecida do Norte
E graças a Nossa Senhora não lastimo mais a sorte
Falo com Fé: - Não lastimo mais a sorte
Já cumpri minha promessa na Aparecida do Norte.
Eu subi toda a ladeira sem carência de
transporte
E beijei os pés da Santa da Aparecida do Norte
Falo com Fé: - Da Aparecida do Norte
Eu subi toda a ladeira sem carência de transporte.
Não tenho melancolia, tenho saúde sou
forte
Tenho fé em Nossa senhora da Aparecida do Norte
Falo com Fé: Da Aparecida do Norte
Não tenho melancolia, tenho saúde sou forte
Padroeira do Brasil Aparecida do Norte
Eu também sou brasileiro sou caboclo de suporte
Falo com Fé: Sou caboclo de suporte
Padroeira do Brasil Aparecida do Norte
Todo meado do ano enquanto não chega a
morte
Vou fazer minha visita na Aparecida do Norte
Falo com Fé: Na Aparecida do Norte
Todo meado do ano enquanto não chega a morte.
Nessa
canção foram colocados alguns elementos importantes para a construção da
memória popular afeita à Nossa Senhora e sua projeção nacional. Além da
referência explícita à situação de Aparecida do Norte e da identificação com o
contexto católico brasileiro, colocado como um todo homogêneo, nota-se a
ratificação da imagem como “Padroeira do Brasil”. E junto desdobram-se
qualificativos importantes como “eu também sou brasileiro, sou caboclo de
suporte”. Por certo, ser caboclo não é pouca coisa na identidade brasileira/popular.
A rima “Aparecida do Norte/morte”, por sua vez, revela a importância da bênção
derivada de promessa – de onde vem a noção de romaria. Item relevante, a
presença da palavra “transporte”, não apenas significando movimento de outras
partes para a cidade religiosa, mas também, na descrição do local, por meio da
ladeira que conduzia à antiga Basílica. Não menos saliente é a referência à
saúde e ao compromisso de, enquanto viver, cumprir a promessa.
Muito
além da riqueza expressa pela releitura feita por Renato Teixeira, cabe supor a
beleza na adaptação de uma prática religiosa transposta para nossos dias. Isso
negocia nossa identidade e, sobretudo revela um dos traços mais marcantes da
sensibilidade brasileira: o culto à “mãe de Deus e nossa”. Foi pensando na
saudação à nossa Padroeira que pensei no abraço a ser dado a todas as mães
vivas... E para os que não as têm mais, como eu, vale cantar “Romaria” e supor
proteções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário