Roberto Rillo Bíscaro
Quando algum filme vira queridinho da crítica e, por
isso, de parte do público ao mesmo tempo e procede dalgum lugar “exótico” i.e. fora dos Estados Unidos, a imprensa
mira nesse local e fala-se numa “nova onda de” cine iraniano, argentino, romeno,
dinamarquês. Por alguns meses, alguns criadores ungidos adquirem status de
pontífices, até o próximo indie movie ianque
ou cult d’outra paragem fora do eixo
atrair olhares de descolados ao redor do globo.
Nalgum momento da segunda metade dos anos 1990, a bola da
vez foi a highlandesca Escócia. Acho que foi após o estouro de Trainspotting
(1996): tudo de lá passou a ser mais quente; atores, diretores, filmes. E como
era filme de jovem viciado em heroína, beneficiou-se da modinha de filmes com
molecada barra pesada, tipo Kids (1995) e um com o Di Caprio jovem; quem lembra
dele fazendo chupetinha em banheirão público? E por tabela, filmes deprês,
afinal com assuntos assim, o que se poderia esperar?
Exceto pelo quesito juventude, The Debt Collector (1999)
encaixa em alguns aspectos descritos: é escocês e deprê; determinista,
inclusive, em sua persistente afirmação de que não se pode fugir ao passado, é
impossível se reinventar. Artisticamente, o roteiro quer emular o trágico
grego, mas está mais pra naturalismo, porque os horríveis destinos de todas as
personagens têm causas bem sociais.
Curioso é que a personagem central foi baseada em Jimmy
Boyle, que nos anos 60 foi condenado por matar um membro de gangue rival e na
cadeia tornou-se artista plástico famoso, reinventando-se com projetos que até
receberam contribuições de famosos, que depois atuariam no filme. Em The Debt
Collector, Nicky Dryden valia-se de golpes baixos pra cobrar as dívidas dum
agiota; valia tudo, até descontar em amigos e familiares do devedor. Preso pelo
policial Gary Keltie, Nicky se
transforma em escultor de sucesso e ao sair do xadrez vira pilar da sociedade
de Edimburgo. Pena que Keltie não consegue aceitar essa transformação e
dedica-se a vendeta que levará todos de roldão. Invertem-se os papéis: Dryden
torna-se senhorzão respeitável: Keltie passa pro papel do bully marginal. Polícia, bandido; bem e mal; certo e errado, não há
opostos, mas continuidades inescapáveis.
Um dos aspectos mais deprimentes de The Debt Collector é
que quase mina a possibilidade de modelos positivos de comportamento ou
motivação. Keltie faz o que faz por ódio e ressentimento, mas o jovem gangster
Flipper, ao contrário, idolatra Dryden. Porém, o Dryden do passado, o durão que
barbarizava as ruas de Edimburgo. Esse amor mal direcionado levará a
desastre. Todo amor levar a desastre.
Todo ódio também.
Com elenco supimpa, com
Francesca Annis e Ken Stolt esmerilhando tudo, The Debt Collector é só pra fãs
de pedradas tristes como Tiranossauro.
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