Único projeto de lei que trata dos direitos dos albinos no Congresso está parado há 2 anos
Texto está com o relator da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, Marcus Pestana (PSDB-MG), que diz esperar parecer do Ministério da Saúde.
Por Erick Gimenes, G1 PR
Um dos principais pontos do projeto é a distribuição de protetor solar (Foto: Fabio Tito/G1)
O projeto de lei que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Albinismo completa no sábado (1º) dois anos parado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara Federal, desde a aprovação pela Comissão de Seguridade Social e Família, da mesma Casa.
Até agora, esta é a única proposta política em tramitação referente aos direitos de albinos no Brasil. A autoria é do médico e senador Eduardo Amorim (PSDB-SE).
Veja os principais pontos do PL:
Elaboração e implementação de cadastro nacional
Acesso gratuito a protetor solar e a atendimento dermatológico especializado
Acesso a atendimento oftalmológico, com distribuição de lentes especiais a quem for necessário
Formação e capacitação de funcionários do Sistema Único de Saúde (SUS) para lidarem com os diversos aspectos relacionados com a atenção à saúde da pessoa com albinismo
"A ideia é possibilitar que essas pessoas portadoras de albinismo possam ter no SUS o protetor solar que tanto precisam. Para elas, não é luxo, é prevenção, é remédio. São cidadãos brasileiros como todos nós e merecem ser tratados com igualdade no sistema público", explica o senador.
O projeto está no regime de prioridade da Câmara, o que quer dizer que, se aprovado, não vai a plenário e segue direto para aprovação presidencial. No entanto, ainda não há nenhuma estimativa para que a proposta saia do papel.
O texto está nas mãos do relator da Comissão de Finanças e Tributação, o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), que diz ter receio de aprovar o projeto sem a certeza da "eficácia terapêutica" dos protetores aos albinos.
"São centenas de projetos que procuram detalhar o acesso do cidadão aos serviços de benefícios do SUS. Tenho muito receio dessa pulverização de iniciativas, porque o Ministério da Saúde tem protocolos. A grande questão é a eficácia terapêutica. A iniciativa do autor é a mais generosa possível, mas há uma dimensão técnica que deve ser seguida. Como relator, quero ouvir o Ministério antes".
Para comprovar a eficácia, o deputado afirma ter solicitado, em fevereiro deste ano, um parecer técnico do Ministério da Saúde que comprovasse a importância do produto para os portadores da condição genética. Ele estima que a resposta deva vir nas próximas semanas.
Apesar do cuidado com a questão médica, o relator diz que o projeto não tem restrições quanto ao gasto público, o principal ponto para a Comissão de Finanças e Tributação, cuja função é "emitir parecer sobre a compatibilidade e/ou a adequação financeira e orçamentária da proposição", conforme o regimento interno da Câmara.
"Não há nenhum impedimento orçamentário e financeiro, mas eu não quero invadir o território do Ministério da Saúde. É preciso muita prudência e equilíbrio para analisar esses projetos. Minha preocupação é a adequação do mérito, embora esta não seja uma comissão de mérito", diz o deputado.
Pestana garante que os outros pontos do projeto, incluindo o cadastro nacional, são simples de serem feitos. "O problema é só o parecer técnico. O resto é tranquilo para incluir no SUS. Não há dificuldade, por exemplo, de incluir o cadastro dessas pessoas no sistema eletrônico do Ministério da Saúde", afirma.
O G1 entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber do parecer, mas, até a publicação desta reportagem, não teve retorno.
Conquista solitária
O aposentado Miguel Naufel conseguiu na Justiça o direito de receber protetor solar por mês da Prefeitura de Mococa, no interior de São Paulo, onde vive. Sem dinheiro, ele foi à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e entrou com um pedido chamado "obrigação de fazer", contra a administração municipal.
“No Brasil, temos esse problema sério, principalmente nas áreas de saúde e educação, que são fundamentais. Infelizmente, temos que recorrer à Justiça e, muitas vezes, nem a Justiça resolve. Eu tive sorte de ganhar a ação e conseguir o bloqueador. A gente fica muito triste com tudo isso, com tanta falta de recurso nas áreas mais necessitadas”, lamenta.
Miguel Naufel conseguiu na Justiça o direito de receber bloqueador solar (Foto: Fabio Tito/G1)
Naufel recebe, em média, seis frascos de protetor solar por mês. Quando sobra, ele ajuda quem não tem. "Não tenho saído de casa, tenho saído muito pouco. Então, eu doo o que sobre para albinos que não têm".
Bahia é pioneira
O projeto de lei proposto pelo senador Eduardo Amorim foi baseado em um programa de saúde desenvolvido pela Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (Apalba), em Salvador, em parceria com as secretarias Municipal e Estadual de Saúde.
Por meio do acordo e por iniciativa dos próprios, albinos baianos passaram fazer parte de um cadastro atualizado no sistema público, em 2006. Pouco tempo depois, conseguiram o direito de receber de graça protetores solares e consultas com dermatologistas.
"Me traz muita satisfação que a gente tenha avançado em algo, mas ainda falta muito a ser feito. Se você pensar, é uma besteira reconhecer que o protetor solar é um medicamento, e não um cosmético. É tão simples, mas como é que não vira lei no Brasil? Não dá para entender. Pra mim, é falta de boa vontade", opina Ana Rita Guerra Ferreira, diretora de ação social da Apalba.
Associados se reúnem na Apalba (Foto: Arquivo pessoal)
Para ter direito ao filtro solar, a pessoa tem que passar por consulta com um dermatologista, obter laudo que comprove o albinismo e receber receitas trimestrais com a prescrição do produto. Com os documentos em mão, ela vai até um posto de saúde e recebe, por mês, oito frascos de 120 ml, de fator 50 ou acima.
Desde 2015, no entanto, o direito a protetores solares passou a ser exclusividade dos soteropolitanos, em virtude do acordo com a prefeitura. Com a mudança de governo estadual, a Secretaria de Saúde da Bahia suspendeu a distribuição do produto aos albinos que moram no interior - segundo a associação, são centenas.
"Esse processo, mesmo em 2017, ainda está incipiente. Há dois anos, surgiram várias dificuldades, com a mudança de governo. Apesar de ainda termos o direito ao protetor em Salvador, é algo provisório, porque é considerado cosmético pelo governo. Enquanto não houver lei, enquanto não houver políticas públicas adequadas, não há segurança de que teremos o que é de nosso direito", comenta o autônomo Joselito Pereira da Luz, o Zelito, membro da associação desde o início.
Para Zelito, além do protetor solar, as políticas públicas voltadas aos albinos devem focar na propagação da informação e, por consequência, da prevenção. "Se o governo quer acabar com a vergonha que é albinos que morrendo de câncer em pleno século XXI, eles deveriam orientar as crianças que nascem albinas e os pais delas. Vamos propagar o autocuidado. Se eu tivesse essa orientação, eu não teria cortado tanta parte do meu corpo como já cortei".
Pedidos via Defensoria
Segundo a Defensoria Pública da União (DPU), foram abertos aproximadamente 40 Procedimentos de Assistência Jurídica (PAJ) referentes ao atendimento de casos de auxílio a pessoas com albinismo nos últimos dez anos.
Neste momento, apenas dez deles estão sem andamento. Apenas um teve provimento - o de dona Aldazete da Conceição, de 55 anos, moradora de Recife. Ela conseguiu na Justiça o direito de receber um salário mínimo por mês como benefício do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
"É uma grande vitória. Eu nem sabia que poderia conseguir isso com a Defensoria Pública, mas deu certo, graças a Deus. O dinheirinho que entra já me ajuda bastante, já que não posso trabalhar", comenta Aldazete.
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