Roberto Rillo Bíscaro
Semana passada comemorou-se com merecido foguetório o
cinquentenário do álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, que
irrigou parte do pop contemporâneo, especialmente uma vertente que amo, o rock
progressivo. Parabéns aos Fab Four pela conquista, mas passei a semana ouvindo
os Beatles da música eletrônica, o Kraftwerk.
Infinitamente menos conhecidos do grande público, o
quarteto germânico virou o cromossomo K do genoma da música pop eletrônica. Não
há subgênero que escape à influência de Ralf Hütter, Florian Schneider, Karl
Bartos e Wolfgang Flür, que se espraia também pelo punk e várias subdivisões da
música negra, como o hip hop. Não é
exagero dizer que não passa mês sem que a batida de Tour de France ou Numbers
não seja sampleada. Decerto há jovem fazendo electro meio sem saber quem é o Kraft, mas usando suas inovações
tecnológicas e/ou samples.
Em semana tão simbólica pro cancioneiro pop, escutar os
alemães ao invés dos veneráveis/venerados britânicos não foi birrinha infantil
ou desejo de fazer heresia cultural. É que o Kraftwerk lançou dia 26 de maio
uma supercaixa em vários formatos, chamada Kraftwerk 3-D: The Catalogue.
Da formação clássica resta apenas Ralf Hütter, quem dá as
cartas pra Henning Schmitz, Fritz Hilpert e Falk Grieffenhagen. Homem de
negócios de primeira e cônscio de que o Karftwerk é instituição, Hütter decidiu
que entre 2012-16, tocariam a discografia completa em respeitosos museus,
óperas e centros culturais ao redor do globo. Duas observações:
a)
Por completa, entenda-se que a banda há
décadas desconsidera Kraftwerk I (1970) e II (1972) e Ralf und Florian (1973),
assim a discografia oficial inicia-se em 1974, com Autobahn. Nem sei se os 3
LPs rejeitados encontram-se em catálogo.
b)
Por completa, entenda-se que Hütter reduziu o
tempo de faixas e fundiu outras, porque se tratava de encaixar o material em
shows.
Foram séries de espetáculos elogiados como extravagâncias
tecnológico-visuais em 3-D, em locais badalados como o MoMA (Nova York), o Tate
Modern Turbine Hall (Londres), as óperas de Sydney e Oslo, a Fundação Louis
Vuitton (Paris) e a Neue National Galerie (Berlin), porque eles sabem que não
estão podendo, tá? No repertório, os álbuns:
Autobahn (1974), Radio-Activity (1975), Trans Europe Express (1977), The
Man-Machine (1978), Computer World (1981), Techno Pop (1986), The Mix (1991)
and Tour De France (2003). O material realmente seminal corresponde ao período
de 74-81, quando os reservados teutônicos influenciavam até o Camaleão do Rock.
Incapaz de enxergar em 3-D e sem saco pra show em vídeo, optei pelo formato de 8
CDs. São 42 faixas, única coisa que ouvi a semana toda desde a última resenha. Poderiam
ser menos CDs, uma vez que o mais longo não passa de 38 minutos, mas certamente
a banda desejou manter a simbologia dos álbuns individuais. E o departamento
comercial da Parlophone, cobrar mais.
Puristas sonoros, as reações da plateia foram eliminadas
das gravações, inclusive aplausos, então é como se fosse um ao vivo no estúdio.
Melhor, a tecnologia mais avançada de hoje permite algumas filigranas e efeitos
impossíveis à época dos álbuns. Além disso, algumas canções estão com arranjos
distintos; outras mesclam a versão original com a constante no álbum The Mix,
caso de Radioactivity; outras mais rápidas, como Airwaves.
Fãs mais idosos poderão estranhar um bocadinho os vocais,
que tentam soar como os originais, mas mesmo bem parecidos, diferem um pouco,
mas qual trabalho ao vivo soa idêntico? Isso é procurar pelo em ovo, porém, porque
tudo que amamos está lá: as vozes robotizadas; aquelas lambadas agudas de
sintetizador fustigando deliciosamente o tímpano; a percussão seca e
eletrônica, mas com o sangue quente africano; o rigor inexorável metalizado da
música simulando trem; as minissinfonias eletrônicas; a repetição hipnótica de
arranjos minimalistas ou complexos; contadores Geiger e estática alçados à
condição de música e, sobretudo, aquela visão, hoje fracassada, de como soaria
um futuro atômico-espacial de metrópoles de neon.
Kraftwerk 3-D: The Catalogue é necessário e pertinente
companheiro diversificador para os álbuns originais. Serve como catálogo de
bolso pela redução dos tempos de execução; serve como introdução pras gerações
desconhecedoras da Luz e da Verdade da Usina de Força.
Serve, porque é Kraftwerk.
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