CANSAÇO,
POESIA DE MARIO QUINTANA, E UMA TAÇA DE VINHO.
José Carlos Sebe Bom Meihy
Nas
horas de grande aflição, nos momentos em que acho que é preciso dar uma parada
nas coisas, de respirar um pouco senão posso estourar, para esses instantes
tenho uma saída cultivada nas repetições: leio poemas. E tenho até um cantinho
entre os livros, onde situo esses textos que tanto me aliviam e me refazem.
Aliás, mesmo quando tudo está bem, até quando as coisas estão em ordem, por
medida de segurança olho para os tais livros e dou carinhosa piscadinha para
eles. Amigos certos das horas incertas, os poemas são como balsamos, algo como
beijo terno de mãe afetuosa. E não pensem que eles não sabem disso. Ah!
espertos que são, garanto que têm plena consciência de suas funções. Silentes,
guardam em páginas tranquilas os segredos que me aliviam. A prova que tenho
para tal afirmativa baseia-se no simples fato de, muitas vezes, pegar um desses
tomos ao acaso, e também sem direção abrir na página certa. Pumba!... Sempre logro
sorte. Sempre! Prova? Aconteceu esta semana. Andava atordoado com o excesso de
trabalho, coisas de fim de semestre de professor: aulas para preparar, relatórios
para preenchimento, leitura de teses, textos por terminar, enfim, aquele Deus
nos acuda. Pressionado ao máximo, sem dormir direito por noites seguidas, bateu
aquele cansaço. A piorar tudo, nesses casos, sempre me recrimino achando que sou
eu o culpado, que devia saber dizer não a convites, que podia ser mais
organizado com o controle das agendas e até cuidar melhor de minha saúde.
Engraçado,
não? Mesmo trabalhando tanto, ainda consigo achar que devia fazer mais, ou que
estou errado. O corpo padece e reclama. A mente também. Estava nessas agruras
quando me lembrei dos queridos livros de poesia. Comedido, porém, não os
assaltei. Com medida cerimônia, parei o texto em curso, dei folga para o
computador, dispensei papeis anotados, e antes de iniciar o ritual da leitura
acendi o abajur, preparei uma taça de vinho nobre. Vinho e poesia, à meia luz,
na solitude da casa. Munido desse aparato, fui até o encantado lugar e puxei da
estante, sem escolha alguma, um volume. A linda capa azul do “Sapato Florido”
de Mario Quintana caiu-me às mãos como uma luva mágica. De repente, cabendo com
perfeição em minhas mãos, abri ao acaso as páginas do delicado conjunto de
pequenos poemas, e eis que leio “Não, o
melhor é não falares/ não explicares coisa alguma/ Tudo agora está suspenso.
Nada aguenta mais nada/ E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes/ o
que é que derruba um castelo de cartas/ Não se sabe.../ Umas vezes passa uma
avalanche/ e não morre uma mosca.../ Outras vezes senta uma mosca/ e desaba uma
cidade”. Nossa, pensei!... Será que o vinho fizera efeito logo depois
dos primeiros goles? Poderia ser, pois afinal era noite funda e eu estava entre
o estado de torpor e o encantamento. Pensei um pouco nas palavras do poeta
(quase escrevi “do filósofo”) e abri em outro poema. Sabe o que li? Veja o
poema Epílogo “A mosca, a debater-se: "Não!
Deus não existe!/ Somente o Acaso rege a terrena existência”/ A Aranha:
"Glória a Ti, Divina Providência, Que à minha humilde teia essa mosca
atraíste!".
Pronto, estava curado. Paciência e compreensão da fatalidade do acaso. Mas quem
disse que tinha força para parar? Virei páginas e eis que encontro outro elixir;
em Emergência, diz Quintana “Quem faz um poema abre uma janela/ Respira,
tu que estás numa cela abafada/ esse ar que entra por ela/ Por isso é que os
poemas têm ritmo/ para que possas profundamente respirar/ Quem faz um poema
salva um afogado”. Mais
vinho, pelo menos mais um gole para, sem necessidade de leitura, declamar para
mim mesmo o meu verso preferido, o Poeminho do Contra “Todos esses que aí estão/ atravancando meu caminho/ Eles passarão… Eu
passarinho!”. Olhei de volta para o livro, fechei as páginas como o
passarinho fecha as assas, tomei mais um gole de vinho e... dormi feliz. Feliz
como o passarinho...
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