MEU LIVRO, MINHA VIDA: dois casos comoventes.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Há algum tempo tenho pensado em escrever sobre os
sentidos do livro em minha vida. Assim, aos poucos, em algum lugar da memória guardava
temas a serem ordenados. De início, pareceu-me relevante pensar em temas
gerais, e, dessa forma, dei caminho para suposições sobre, em temas atuais como
o impacto dos livros eletrônicos, as lembranças de algumas livrarias e
bibliotecas que visitei mundo afora, talvez valesse lembrar dos primeiros livros
que li ou que ganhei; sempre quis escrever algo sobe o efeito dos livros
religiosos que me fizeram companhia quando estudava em um colégio interno. É
lógico que não posso me esquecer dos livros “proibidos” que animaram minha
adolescência e nem daqueles “subversivos”. Também pensei em registrar impressões
sobre os melhores textos de literatura, evocar os mais significativos do campo
histórico, e, na mesma ordem alinhar escritos dos pensadores que alicercearam
minha formação. Nossa, tanta coisa! Além dos textos, pensava também que poderia
abordar as capas, meditar sobre os títulos, comentar as eventuais gravuras.
Arrolando essas possibilidades, vejo agora que o universo era mesmo tão extenso
que explica a um tempo o longo processo de gestação, como a grandiosidade do
tema. Mas, de repente, algo mudou. Foi uma notícia que suscitou a volta ao assunto,
agora tangenciado por um acontecimento bonito demais. E com força, a redação
brotou. Aliás, devo dizer que a ideia nem veio por meio de leitura, e sim pelo
noticiário jornalístico televisivo.
Foi assim: eu havia chegado tarde do trabalho. Como
sempre, sentia-me exausto, com a cabeça cheia de problemas profissionais. Depois
de um banho, já à vontade, sentei-me para ver as notícias. Foi quando então uma
voz de repórter feminina anunciava algo diferente do azedo noticiário que nos
coloca indignados. Era algo mais ou menos assim, mediante uma chuva seguida de
enchente, uma menina de oito anos de idade, de nome Rivânia, fora avisada pela
avó que deveria pegar o que de mais precioso tinha em casa, para que salvasse.
Num gesto mecânico, na tensão da hora, em vez de buscar qualquer outro objeto,
a menina se agarrou em sua modesta mochila escolar e assim resguardou cadernos,
lápis e demais objetos de aula, e, principalmente seu livro didático que, por
milagre ficou intacto. O mais surpreendente foi a rapidez, posto que a água
subindo não dava tempo para decisões pensadas ou escolhas. E há ainda um fator
a mais: esse fato ocorreu em Várzea do Una, Zona da Mata, sul de Pernambuco.
Tudo, em meio à pobreza desoladora. Comovente...
Estava absorvendo esse caso e também de maneira
instantânea lembrei-me de outro também digno de apreço. Dona Guita Mindlin, a
falecida esposa do colecionador José Mindlin, um belo dia teve um sonho – ou melhor,
um pesadelo. No quase delírio, via-se sozinha na casa que se incendiava. No
sufoco, agoniada, apenas teria tempo para salvar algumas poucas coisas, e,
sabem o que escolheu? Em vez de pegar documentos, joias, dinheiro, objetos de
arte, ela correu para resgatar a “Biografia de Petraca”, peça fina da coleção
do marido, obra raríssima, na primeira edição. E nem foi pelo valor material,
uma das raridades mais valiosas e prezadas pelos bibliófilos do mundo todo. A
explicação que ela dava era deliciosa, pois dizia, imagine o desaponto do
marido José se tivesse salvo as joias ou os documentos e não o livro que sabia
ser o preferido do amado companheiro.
Juntar estas histórias me comoveu muito. E nem foi pela
revelação de amor aos livros, mas sim pela integração dos mesmos nas vidas das
pessoas. E como os livros nos pertencem, tocam! Tanto, que chego a supor que
não são objetos nossos, mas que, com vida própria, somos nós que pertencemos a
eles.
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