Roberto Rillo Bíscaro
Com os olhos ainda não lavados, porque acabara de
despertar e apenas pegara o celular pra fazer a vistoria dos sites diariamente
acessados antes mesmo de levantar, atraiu-me a expressão Hounds Of Love na
manchete do The Guardian. Pensei que fosse sobre o álbum de 1985 de Kate Bush,
por isso, fui ao banheiro lavar os olhos pra poder botar os óculos e ler sem
franzir a cara.
O Hounds Of Love do título era o filme deste ano do
roteirista e diretor australiano estreante Ben Young, que tem feito sucesso em
festivais e atraído atenção da crítica especializada. Os elogios justificam-se:
sem mostrar violência explícita, a película tem cinematografia crua e mostra
perturbador estudo psicológico sobre um amor bandido, com atuações de arrepiar.
Nos anos 80, um casal sequestra garotas em Perth para que
o marido se divirta violentando-as, matando-as e enterrando nas vastas
florestas australianas. Oito entre dez fitas que assisto daquele país têm imagens
feitas por drones sobrevoando matas
de eucaliptos (acho; não entendo nada de plantas. Só conheço bananeira e olhe
la!) cortadas por uma estrada.
A vítima da vez é a adolescente Vicki Maloney, fruto de
lar desfeito e que escapole da supervisão materna uma noite pra ir a uma festa.
Somando a esse deslize, ela aceita carona dos simpáticos estranhos John e
Evelyn White, fuma baseado e consome álcool na casa deles. Como em filmes de
horror e thrillers, menina que faz
“coisa errada” se ferra, a bebida tem remédio pra dormir e quando Vicki
desperta está amarrada a uma cama, sob o jugo do psicopata e sua esposa cega de
paixão.
O diferencial do roteiro de Young é a construção de
Evelyn, atormentada entre saber que faz algo errado, inconscientemente perceber
que o amor por John é unilateral, mas ser tão viciada no cara, que persiste no
relacionamento abusivo. Sabe aquele dito bem vulgar, “amor de pica, fica”? Sei
lá se tem equivalente na cultura australiana, mas quando Evelyn ajoelha em
frente a John, não pra rezar, me veio à cabeça na hora. Vicki poderá ser o
elemento perturbador dessa zona de conforto desconfortável do casal.
Boa parte de Hounds Of Love é lenta, porque constrói as
tensões psicológicas, mas o terço final é de roer unhas. Além disso, como no
melhor horror, abre-se pra discussões muito calcadas no cotidiano, como a
maneira como a sociedade julga uma mulher que decidiu abandonar o marido e não
o contrário. É o caso de como a mãe de Vicki é tratada quando reporta o sumiço
da filha.
Jasons e Freddies não incomodam, porque são
ostensivamente mentira, mas o material de que é feito Hounds Of Love é bem
concreto. E consegue isso tudo sem mostrar nada gráfico. Os abusos são
sugeridos por portas fechadas, pulsos machucados e manchas de sangue no chão
(se você é tão amante de cachorríneos, que até isso te faria chorar, evite).
Há quem equipare essa estreia ao igualmente estreante/australiano
The Babadook (2014). Exagero, porque, tirante os segundos finais, o filme de
Jennifer Kent é uma das coisas mais arrasantes que vi no gênero em anos. Mas,
Hounds Of Love não fica muito atrás. Coincidentemente, o final também não me
convenceu tanto, mas deixo isso pra você decidir e comentar no blog.
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