Roberto Rillo Bíscaro
Uma das coisas mais gratificantes de ser professor é o
contato com mais jovens, que nos mantém em dia com o atual. A docência é
exercício contínuo do que utilitariamente denomina-se networking: nossa rede sempre aumenta e o melhor é que quase nunca
os elementos dela são meras cartas a serem usadas em caso de necessidade pra
contatos. A relação professor-aluno deixa ligações afetivas e de respeito
mútuo, então, claro que a via de mão dupla das indicações pra cargos e postos
ocorre, mas alicerçada em convívios mais ricos do que simples cartões trocados
numa conferência ou workshop.
Há meses, um ex-aluno, agora amigo, recomendou-me com
ênfase o filme Capitão Fantástico (2016). Demorei tanto pra ver que temi que
ele achasse que desconsiderara a indicação. Nem. Mas, teve viagem de férias
(olha quanto tempo faz!), começo de semestre, as séries que tinha que dar
prosseguimento, as atividades mil que faço, enfim, custou-me vê-lo por falta de
organização e não por interesse.
Há umas 3 semanas vi a história do pai hippie que isola a
família numa área florestal norte-americana, inculcando-lhes valores radicais
de autossuficiência e estimulando-os a desenvolverem espírito crítico
anticonsumista. Um triste acontecimento familiar força o grupo a deixar o
isolamento florestal e enfrentar o mundo familiar totalmente não-familiar
praquelas crianças, que sequer sabem o que é a marca Adidas.
Como bem predisse Alexandre, Capitão Fantástico me
prendeu a ponto de nem lembrar se parei pra checar mensagens. Como professor,
fascinou-me deveras o potencial de discussões em diversos níveis e disciplinas
suscitadas pela obra de Matt Ross, que tem ótimas atuações, música do
Guns’n’Roses cantada pelo elenco, cremação com final rebeldinho, enfim, é
totalmente indie-curtível.
Mas, me ficaram questões. Claro que uma delas é dada
claramente pelo roteiro: papai Viggo Mortensen é democrático ou tirânico? A
desintegração mental da esposa, afinal, é resultante do isolamento radical a
que fora submetida?
Outras minhocas engordaram na cabeça, porém. Ben e seus 6
filhos podem se dar ao luxo de serem anti-establishment,
porque vivem da renda de uma propriedade vendida. Quer dizer que a condição de
possibilidade pra contestar o capitalismo é fornecida pelo próprio sistema; mas
quantos de nós podemos nos dar a esse luxo? Gosto de problematizar assim pra
não cair naquela coisa “olha como eles são especiais” etc, saca? Sabe aquele
papo de “não ligo pra dinheiro”, dito por quem não tem falta de? Então, precisa
ser discutido, porque o mesmo capitalismo que dá os meios pra Ben repudiá-lo,
também os fornece pra filhinha de papai bilionário que não liga pra dinheiro a
ponto de torrá-lo inconsequentemente.
Pensou que legal, colocar o
espírito crítico-filosófico pra discutir tais questões? Merlí pira.
Ótimo filme que possui questionamentos filosóficos que valem a pena refletir!
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