Roberto Rillo Bíscaro
A eleição dum presidente norte-americano antiminorias -
macho adulto branco que derrotou uma mulher - logo após um afrodescendente (que
muitos dizem ser) progressista, enseja toda sorte de leituras, análises e
balanços, que garantirão décadas de dissertações e teses em departamentos de
Humanas. Como pode passar de 8 pra 80 duma eleição pra outra? Ou será que não é
assim tão 8 e 80?...
Como trocentos produtos culturais de agora, o elogiado
suspense de horror Corra! (2017) está sendo alardeado como metáfora da tomada
de poder pela direita conservadora. Como alguns dos filmes que o inspiraram,
leitura sociopolítica faz todo sentido em Get Out, roteirizado, coproduzido e
dirigido por Jordan Peele.
O casal birracial Chris Washington e Rose Armitage
prepara-se pra passar o fim de semana na grande casa de campo dos liberais pais
da branca Rose. O diálogo inicial, quando Chris pergunta à namorada se ela
alertara os genitores sobre a afrodescendência do fotógrafo, dolorosamente
remete à idêntica conversa entre Joanna e John, que há exatos cinquenta anos
também iniciavam visita aos pais liberais brancos da namorada de um negro, em
Adivinhe Quem Vem Para Jantar? (1967). Se desanima que meio século depois
racismo ainda seja um grande problema, consola lembrar que em História cinco
décadas não são nada, então resta esperança de mudança.
Os pais de Rose são eleitores de Obama, mas Chris
desconfia que há algo muito suspeito por trás da capa de polimento, quando
percebe que os criados negros agem meio roboticamente, num clima bem As Esposas
de Stepford (1975). Os 2 primeiros atos de Corra! funcionam em chave bastante
finalzinho dos anos 60, primeira metade dos 70’s e não dá pra desconsiderar a
influência de produções como A Noite dos Mortos- Vivos e O Bebê de Rosemary,
ambos de 1968. Tem até coro satânico, muito arrepiante, quando percebemos que o
capeta no século XXI vem travestido de “avanço” científico-tecnológico.
O terceiro ato desveste a indumentária retrô em favor de
banho de sangue pós-moderno, época que ama tanto valorizar a parte cheia do
copo. Particularmente, prefiro o encaminhamento mais distópico dos filmes
inspiradores de Peele, mas não dá pra negar que Get Out seja eficiente, esperto
e eficaz comentário político em mais um bom filme de horror.
À luz de Corra!, a mudança aparentemente tão radical no
cenário político estadunidense até se relativiza: será que Obama não era como
um dos afrodescendentes do filme e seus mandatos não foram alterações pra que
as coisas permanecessem as mesmas?
Seja qual for a leitura que se escolha fazer, Corra!
também fornece excelente oportunidade pra se (re)ver suas referências mais
explícitas, então, que tal conhecer/revisitar Adivinhe... e As Esposas...? Fiz
isso e a intertextualidade percebida resultou estimulante.
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