segunda-feira, 31 de julho de 2017

CAIXA DE MÚSICA 276

Roberto Rillo Bíscaro

A despeito do sobrenome, Denise Nicole White é negra. Como outras divas R’n’B aqui resenhadas, a norte-americana deve o grosso de sua formação musical aos coros de igrejas, apesar de ter estudado piano antes de ingressar em um deles. Na faculdade, ela se matriculou na graduação em piano, mas, desiludida com o programa, mudou pra filosofia, em que se formou.
Avery Sunshine é seu nome artístico e seu rol de fãs declarados conta com Boy George  e ninguém menos que a Rainha do Soul, Aretha Franklin. Cultuada por gente que vai de Bowie a Obama, passando até pela insuspeita Rumer, Aretha afirmou que “ama Avery Sunshine”. Nada mal pruma vocalista distante dos holofotes da mídia gigante, mas nada surpreendente pra quem conhece seu vocal altamente potente, pessoal e politonal.
A mágica solar de Avery continua em seu terceiro LP, Twenty Sixty Four, lançado em abril. Em tempos sintetizadamente sombrios de gritaria xiita de programa de calouros, Sunshine cunhou 14 faixas otimistas, tocadas por/com instrumentos de verdade e controlando seu poderoso vocal pra berrar apenas quando a canção pede e não pra mostrar que pode. Por isso Aretha a adora: são da mesma laia.  O álbum é tão bom que nem as indefectíveis vinhetas das cantoras atuais interferem, pelo contrário, contribuem de verdade com a ambiance.
A positividade que emana do trabalho vem em parte, porque Avery Sunshine recentemente se casou com seu guitarrista/produtor, Dana Johnson. Tem até trecho da cerimônia, com a cantora chorando e tudo. Relacionando-se há tempos, mas escaldados por relacionamentos prévios, ambos juravam que jamais se recasariam, até que o bofe pediu sua mão. Nesse momento, Sunshine conta que orou pedindo que se Deus os deixasse juntos até 2064 (Twenty Sixty Four), ela se exercitaria diariamente e pararia de dizer palavrões e comer demais.   
Desconheço se a promessa está sendo cumprida, mas mesmo que não, espero que Papai do Céu faça vista grossa, levando em conta a dádiva musical que a cantora e seu marido nos consagram.  O álbum transborda do clima sofisticado e criativo, muito devedor a inovadores como Steve Wonder. Quando o negócio é falar de amor sexualizado, melhor apelar pra Barry White, como na acariciante Kiss And Make It Better. Lisa Stansfield deve ter tido frêmitos de prazer, se ouviu isso e nós que adolescemos ao som da britânica, estamos perfeitamente equipados pra amar Twenty Sixty-Four.
As vinhetas não atrapalham, porque a maioria do material é de baladas quiet storm (Heaven Is Right Here); soul funk, como na faixa-título, totalmente amável por fãs de acid jazz ou jazz de piano, como no encerramento do LP, em Sweet Hour Of Prayer. Nada incomum em álbuns negros estadunidenses, o final desse é bem devocional. Confira a guitarra country contraposta ao discreto órgão gospel de Prayer Room. Em Everything I’ve Got, a guitarra discreta é mais rock, porque a balada é de paternidade púrpura de Minneapolis. A exceção espevitada contagiante é Used Car, milagre Motown em pleno século XXI. R’n’B pop com guitarrinha apimentada de blues; prepare-se pra encarnar uma Shirelles ou Marvelettes rápida e cair na dança. 
Não há uma nota fora do lugar, tanto na instrumentação, quanto na cantoria, em Twenty Sixty Four. Se este álbum ficar de fora das listas de melhores da soul music, em 2017, o meteoro destruidor definitivamente tem que nos atingir.

domingo, 30 de julho de 2017

ALBINOS E CARECAS EM PERIGO EM MOÇAMBIQUE!

Treze pessoas detidas por profanação de cadáveres de albinos e calvos no centro de Moçambique

As autoridades do distrito de Milange, em Moçambique, anunciaram a detenção de 13 pessoas acusadas de profanação de túmulos de pessoas portadoras de albinismo e calvície.
As autoridades do distrito de Milange, província da Zambézia, centro de Moçambique, anunciaram esta setxa-feira a detenção no primeiro semestre deste ano 13 pessoas acusadas de profanação de túmulos de pessoas portadoras de albinismo e calvície.


Numa visita que realizou à cadeia do distrito de Milange, a emissora pública Rádio Moçambique conta que entrevistou nove pessoas detidas sob a acusação de profanação de túmulos de pessoas portadoras de albinismo e quatro de pessoas calvas.

As pessoas entrevistadas narram que se envolveram nessas práticas aliciadas por promessas de dinheiro feitas por pessoas interessadas em usar partes de corpos humanos para rituais supersticiosos.

Comentando sobre o fenómeno, o delegado do Instituto de Patrocínio Jurídico (IPAJ), uma entidade governamental na província da Zambézia, António Guce, elogiou a pronta atuação das autoridades no combate a esse tipo de práticas.

Num contexto inédito em Moçambique, as primeiras notícias sobre o ataque a “carecas” surgiram em meados do primeiro semestre deste ano, mais concretamente na província da Zambézia, numa onda que já provocou algumas mortes entre portadores de calvície.

Os ataques a pessoas calvas surgem alguns meses após um aparente abrandamento da violência contra albinos para extração de órgãos, usados também em rituais.

sábado, 29 de julho de 2017

MOÇAMBIQUE INSEGURO PRA ALBINOS

Indivíduos desconhecidos assassinaram com recurso a uma enxada um menor de seis anos de idade com problemas de albinismo no distrito de Molumbo, na província de Zambézia.

O Chefe da Secção de Imprensa, no Comando da PRM, na Zambézia, Miguel Caetano, disse que o cunhado do menor é um dos suspeitos do crime.

Miguel Caetano disse que o suspeito está em parte incerta, noticia hoje a Rádio Moçambique, no seu portal.

Entretanto, um outro menor de três anos de idade também com deficiência de pigmentação da pele no distrito de Mecanhelas, na província do Niassa, foi raptado por indivíduos desconhecidos.

A Chefe das Relações Públicas no Comando provincial da Polícia da República em Moçambique (PRM), no Niassa, disse que a corporação está no encalço dos autores do crime.

Para lograr os seus intentos, os supostos malfeitores ameaçaram de morte os pais do menor, com recursos a instrumentos contundentes e de seguida raptaram a criança.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

TELONA QUENTE 195

Resultado de imagem para filme memorias secretas
Roberto Rillo Bíscaro
Vendo a lista dos filmes e séries a serem removidos do catálogo da Netflix em agosto, o título Memórias Secretas chamou atenção, porque vinha com foto de Christopher Plummer. Gosto de prestigiar produções com papeis protagônicos por atores maduros. Porque escasseiam à medida que a idade avança, acho que o público deve apoiar, pra tentar incentivar que mais oportunidades apareçam. Pode ser ingênuo perante à maquinaria do lucro, mas me serve.
Dirigido pelo cult egípcio naturalizado canadense Atom Egoyam, Memórias Secretas tem alma de filme B aprisionada em corpo de suspense dramático “sério”. Gracejei com um amigo, que a direção, elenco, tema, título granjeiam a Remember até o privilégio de ser seriamente discutido em cursos de pós-graduação sobre memória e identidades líquidas. Dá mesmo, mas o roteiro de Benjamin August é uma série de arbitrariedades e plot twists, bem distantes do desejável prum “filme de arte”.  Não pare de ler por aqui, não detonarei Memórias Secretas; é divertido, só precisa ver com a cabeça no lugar.
Zev Guttman vive em um geriátrico, perdeu a amada esposa há pouco e enfrenta os estágios iniciais da demência, doença habilmente utilizada pelo roteiro. Convencido pelo amigo Max (Martin Laudau, recentemente falecido) a eliminar um nazista que acabou com ambas as famílias em Auschwitz, Zev sai pelos EUA e Canadá em busca dum Rudy Kurlander. Diversos nazistas escaparam, porque emigraram da Alemanha usando documentação falsa, roubada de suas próprias vítimas. Assim, havia 4 Rudy Kurlanders; Zev teria que descobrir qual era o carrasco e executá-lo.
Assim, desenvolve-se o thriller de terceira-idade misturado com drama e road movie. O roteiro faz tudo se desenrolar com facilidade incrível, coincidências e forçações de barra abundam. Repare que marmeladas as cenas na casa de armas e na fronteira! Mas nos bons suspenses B, o realmente divertido é a lógica e a plausibilidade estarem subservientes à história e às emoções não importa o quê.
E é isso que se necessita saber pra curtir Memórias Secretas como thriller e não como tratado-cabeça só porque o tema é perseguição a judeus dirigido por Egoyam (que já nem mais tá com essa bola toda no circuito de “arte”, sabiam?).
O elenco está muito bom e obviamente Plummer resplandece. Fãs de séries reconhecerão Henry Czerny, o Conrad Greyson, de Revenge e Dean Norris, da superestimada Breaking Bad (só eu não consegui passar da metade da temporada dois?). A sequência com Norris é de longe a melhor.
Memórias Secretas não é muito ágil, em consonância com o estilo de Egoyam e a idade dos protagonistas, mas oferece bons momentos de suspense e diversão. Sim, pode ser usado pra discutir identidades líquidas e memória em cursos de pós-grado também! Mais importante que isso, todavia, é mostrar que a velhice pode gerar histórias interessantes, onde ela ou suas características inerentes não precisam ser tratadas com pena ou como tolo material fofifnho cuti cuti.
Merece ser conferido antes que a Netfilix o subtraia de sua filmoteca.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

CONTANDO A VIDA 197

SOBRE ALGUMAS SUPERSTIÇÕES LIBANESAS
José Carlos Sebe Bom Meihy
Sou daqueles que cresceram ouvindo dizer que gato preto dá azar e que se deve evita-los. Como historiador, fiquei encantado com o magnífico livro “O grande massacre dos gatos”, do francês Robert Darton, a respeito de uma prática comum na França do século XVIII. Diz o relato que em dado dia do ano, a população se reunia em praça pública para um grande festim em que se exterminavam os gatos mediante o povo em delírio. Além do pitoresco da situação, achava que era algo pontual, superado lá mesmo, e nem relacionava com alguma sonoridade por aqui. Também não fazia ligação com algumas cenas de filmes de terror, hollywoodianos, em que os negros gatos prenunciavam maus acontecimentos. Do mesmo modo, não via lógica no fato de certas tribos indígenas latino-americanas padecerem de medo deles, achando que gatos em geral seriam miniaturas amaldiçoadas pelos espíritos dos grandes felinos mortos em caçadas. Assim, me foi uma surpresa enorme tomar conhecimento de que no oriente médio – especificamente do Irã, com os chamados “gatos persas”, de onde eles seriam originários – isso ganha ares de fobia coletiva, chegando a perturbar o andamento comunitário de comunidades. No Líbano, por exemplo, essa história tem dimensões enormes no presente, tão grandes que levou uma agência, a Impact BBDO, de Dubai, a fazer ruidosa campanha, em parceria com a Loto Libanesa, usando a hashtag “GoodbyeBadLuck”. Tudo a fim de coletar o maior número possível de informações sobre os gatos pretos existentes no país todo. Essa medida tinha fito de proteger os animais, pois os bichanos que nasciam pretos eram brutalmente exterminados, e os que sobrevivam por algum motivo, eram maltratados pela população em geral que, quando possível, deveria matá-los. A campanha começou com uma pesquisa maciça, divulgada por todos os meios de comunicação, e também nas escolas e até em igrejas cristãs e mesquitas. O aviso era simples e direto, solicitando que fossem dados os endereços de localização do animal, pois a Loto libanesa iria resgatá-lo com ajuda de uma equipe especialmente treinada, com o apoio dos funcionários do Conselho Médico Libanês e dos veterinários do hospital e pet shop “Animal Care”. Isso contando, inclusive, com financiamento internacional. Além dessa divulgação, as entidades envolvidas juntaram ainda mais dinheiro de fundações protetoras de animais para uma outra ação surpreendente: “deportar” os felinos para a Nova Zelândia, onde ao contrário do Líbano, a população acredita que os gatos pretos trazem sorte.
Bastou saber disso para ter a atenção despertada para outras “manias libanesas”. Foi assim que notei que nas lojas de “lembrancinhas” há um número desmedido de amuletos e talismãs e, curiosamente, não são apenas os turistas que compram tais produtos. Aliás, devo dizer que há em árabe uma palavra específica para tais produtos, conhecidos pela palavra “attar”. É importante dizer que tais objetos podem ser encontrados também em lojas comuns, de modas, supermercados, e até em bancas na rua. Conversando com pessoas, é notável que as informações remetem mais ao fato deles quebrarem alguns mal- olhados (ou mandigas, como dizemos) do que para dar sorte ou chamar bons fluidos. São mais defensivos e protetores do que anúncios de bons agouros e mesmo pedido de saúde, dinheiro ou amor.
Pela fartura de detalhes relativos a essas crendices, comecei a ficar curioso e assim aprendi que há cores, números e perfumes tuteladores. A cor mais usada para evitar feitiços é o azul que, segundo dizem, é a cor do mar, de onde vem os peixes protetores e a estrela do mar, símbolos muito usados em particular nas entradas internas das casas. Aliás, dizem os libaneses que o uso de uma peça de roupa azul sempre traz proteção. Em termos de números, o cinco é o mais famoso e, por exemplo a palma da mão aberta com um olho aberto e vitrificado é muito popular no Líbano, como em todo Mediterrâneo. A “rakva”, uma espécie de incenso, também é comumente queimado nas casas a fim de afastar azares e livrar dos espíritos lançados. Deve-se notar que há outras situações interessantes para os libaneses que temem sobremaneira os invejosos. Usando dizeres próximos do Corão, por exemplo, apregoa-se que o invejoso é pior que a peste, ou que pode ficar cego ou mesmo ter a mão secada.

De tudo o que mais me fascinou nessas investidas de turista travestido de antropólogo foi saber que por trás de tanta rigidez nos costumes e rigores religiosos, há aspectos universais que nos garantem a condição humana, frágil e temerosa de males inexplicáveis que, afinal, nos fazem mais próximos uns dos outros. Olhando bem, torna-se natural a aceitação de culturas que, em termos de medo, afinal, não são tão diferentes.  

terça-feira, 25 de julho de 2017

PAI MALDITO

Pai rapta e tenta vender filho albino em Moçambique

Caso retoma o tráfico de albinos no país
Um homem de 36 anos raptou o seu próprio filho albino para alimentar um negócio de tráfico de órgãos no distrito de Milange, na província moçambicana da Zambézia, num caso que as autoridades consideram como reedição de caça e ataques a pessoas com pigmentação da pele.
Nos últimos dois meses, outras duas crianças albinas foram raptadas e estão desaparecidas, somando três casos contra albinos este ano, disseram à VOA as autoridades de Milange.
Mário Macassa, administrador de Milange, contou que um homem, aproveitando a condição de polígamo e convencido por um amigo intermediário da venda, tirou o seu filho menor de casa, para o entregar num negócio de extração de órgãos.
“Um pai achou que devia vender o filho dele, uma criança recém nascida. A mãe (da criança) ao se aperceber que o marido ia buscar o grupo (de compradores) para entregar o produto (a criança) denunciou-o à polícia e foi recuperada a criança”, revelou Macassa, assegurando que os três casos deste ano ocorrem após longos meses de abrandamento de ataques a albinos.
Após a denúncia, o homem tentou fugir para o Malawi, mas acabou preso junto com o intermediário do negócio quando iam fazer a entrega da criança viva.
O rapto e o assassinato de pessoas portadoras do albinismo tinham caído significativamente em todo o país, sobretudo no distrito de Milange.
Dados fornecidos pela Procuradoria-Geral da República indicam que, em 2016, houve 19 processos relacionados com casos de tráfico humano, dos quais sete tinham como vítimas cidadãos com problemas de albinismo.
Em 2015, dos 38 processos de tráfico humano, 15 tinham relação com albinos.
O rapto, perseguição e assassinatos de albinos e de pessoas calvas são motivados por crenças e superstições, segundo as quais essas pessoas são fonte de riqueza.

TELINHA QUENTE 269

Resultado de imagem para the streets of san francisco
Roberto Rillo Bíscaro

Último janeiro, visitei São Francisco pela segunda vez. Acho a cidade da Costa Oeste lindíssima, mas tenho medinho, por causa de terremotos. Em minha visita primeira, em ’98, meu anfitrião me apresentou a urbe com explicações, tipo “no terremoto, de 86, esse viaduto desabou e tinha um monte de carros embaixo”. Traumatizei.
Na estadia mais recente o que mais chamou minha atenção – além da deliciosa pizza de pepperoni de 3 quadras donde me hospedei – foi um passeio naqueles ônibus turísticos hop on hop off. Com o incansável companheiro de viagens internacionais, Carlito, escolhi o serviço da empresa cuja propaganda na Union Square era menos agressiva (ah, me convença mostrando suas qualidades e não supostos defeitos do concorrente!).
Mal iniciamos o percurso e o motorista nos convidou a observar o edifício usado como cenário externo pra Inferno na Torre (1974). Seguiram-se a escola secundária onde Linda Evans se graduou e a rua declivosa que servia pra gravar a maioria das cenas de perseguição e carro pulando de The Streets of San Francisco (1972-7). A cada referência, não reprimia sorrisinho: quanta gente, em 2017, conhece o filme-catástrofe, uma das estrelas de Dynasty (a insípida Crystal Carrington, ugh!) ou a série policial em que o atual septuagenário Michael Douglas ainda podia ser chamado de “garotão” pelo parceiro cinquentão? Claro que as menções têm a ver com o público bastante meia-idade que viaja hoje e prefere o conforto dos ônibus a ficar suando a pé ou de bike. Mas, deu vontade de escavar algum HD externo e ver os 121 episódios.
Quando guri, nos 70’s, parece-me que lembro de chamadas pra São Francisco Urgente (na Tupi? Record? Alguém sabe/lembra?), nome nacional da série da ABC. Mas, não via, porque estava mais na vibe desenho, Shazan e Xerife, As Panteras. Quando retornei ao patropi, preenchi mais essa lacuna televisiva dos 70’s e valeu muito.


Na ressaca do flower power, The Streets of San Francisco (TSOSF) traz o tenente Mike Stone (o narigudo Karl Malden), veterano bonachão e durão dos anos 50, que ainda usa chapéu e casacão noir as 7 temporadas (essa constância no vestuário cartuniza um pouco a personagem), resolvendo casos com o novato galã, com formação universitária e sensibilidade pós-hippie (mas macho atirador, não se engane!) Inspetor Steve Keller, estouro popular do filho de Kirk Douglas.
Devido ao período abrangido (72-7), TSOSF pegou a depressão econômica causada pela Crise do Petróleo e a desilusão política de Watergate. Em muitos episódios, nota-se a influência de sucessos de bilheteria como Operação França (1971) e Desejo de Matar (1974), o primeiro sobre tráfico de heroína; o segundo glorificando justiceiros urbanos. Esses fatores, mais TSOSF se querer mais “sério”, tornam muitos episódios bem sombrios, embora por ser pra TV, o fim sempre seja positivo e de captura e punição dos culpados. Uma história sobre heroína envenenada propositalmente, resulta na morte de dezenas e na admissão de que a outrora floral San Fran tem que ter centros de atendimento onde os viciados terão a droga analisada pra ver se não estava contaminada, sem correrem risco de serem denunciados à polícia.
Prostituição, imigração e (não-) aceitação do imigrante mexicano, garotas de programa, alcoolismo entre policiais, gangues, corporações matando pra conseguir propriedades, violência doméstica contra mulheres e/ou crianças (que morrem igual gente grande, eita!) apavoravam de modo alarmista (muitas vezes com dados estatísticos e tudo) as noites de quinta e geraram reclamações de grupos da pais e “cidadãos de bem”, preocupados que o show influenciasse no comportamento delinquente, em ascensão na recessiva ianquelândia. Protestos crescentes pesaram muito pra avalanche de séries de detetive mais leves, no fim dos 70’s e durante boa parte dos 80s, como As Panteras; Casal 20; Murder, She Wrote. Pode matar, mas com fofura!
Óbvio que comparado com a morbidez, explicitude e complexidade psicológica de certas séries policiais deste século, TSOSF não passa de entretenimento um pouco mais ríspido do que o usual nos 70’s. O formato de histórias unitárias de cerca de 50 minutos dispensava a possibilidade de aprofundar ou tornar por demais complexo. As personagens são pétreas durante as 7 temporadas e a resolução dos casos rápida e sem deixar contradição.
O grande charme de The Streets of San Francisco é precisamente as ruas da cidade, dita perigosa, violenta e drogada, mas mostrada em lindas tomadas sempre com gente bem vestida, dando impressão de local frio. Realmente Frisco não é escaldante no verão, mas sei não se dá pra usar aquelas roupas o ano todo. De qualquer modo, a cor local é determinante pra seu sucesso. Nomes de ruas e logradouros sempre citados; muitas externas e internas gravadas in loco; as poucas histórias que não exploram esse universo padecem de sua falta. Não que sejam ruins, mas ficam iguais a tantas outras séries.
Mike Stone (Malden) e Steve Keller (Douglas) quase não têm vidas próprias fora da profissão. Sabemos que o bonitão Steve é conquistador, mas cogitamos que tempo disponível tem pra isso, se passa dias e noites trabalhando e quando se diverte é com a figura paterna de seu superior. Mas, a química entre os dois é perfeita. Tanto é que quando Michael Douglas abandonou o show pra iniciar sua estelar carreira nas telonas, TSOSF despencou na audiência e foi cancelado.
A sétima temporada viu a substituição do parceiro de Mike Stone. Steve Keller virou professor universitário e como parça do Tenente Stone entrou o saudável e meio insosso Dan Robbins, interpretado pelo recentemente falecido Richard Hatch, o Capitão Apolo, de Battlestar Galactica. Hatch jamais teve a star quality de Douglas, mas justiça seja feita, o próprio roteiro diversas vezes sabotou a personagem, que levava umas lavadas desnecessárias de Mike e quase sempre ficava em segundo plano ou pouco fazia.
Em 1992, a ABC quis comemorar o 20º aniversário de estreia, com Back To The Streets Of San Francisco. Mike Stone então era capitão e tem que lidar com o desaparecimento de Steve (Douglas não aparece), cujo destino finalmente se resolve, porque morre. Mas o roteiro é muito fraco, Karl Malden aparece pouco, a trilha tem aquela praga de música saxofonada dos 90’s, enfim, tudo é muito entediante. Não compensa. E pra provar que Hatch não funcionou/não teve chance, sua personagem sequer é mencionada. É como se Dan não tivesse existido. 

segunda-feira, 24 de julho de 2017

CAIXA DE MÚSICA 275

Roberto Rillo Bíscaro

Há pouco mais de uma década, a vocalista Jessika Rapo e o baterista Henry Ojala fundaram sofisticado duo de synthpop, o Burning Hearts. Não vieram de Londres, Nova York ou Berlin, mas da pouco cotada Finlândia. E ainda se dão ao luxo de dispensar a capital Helsinki e gravar no interior, lançando por microsselos. A extravagância que não se podem dar, porém, é a de cantar em seu idioma pátrio. As ótimas composições do Burning Hearts são em inglês, o que os já levou até pra shows em Nova York. Mas não daria pra pedir mais da dupla: no mundo globalizado, o idioma pra furar fronteiras é o de Shakespeare. Rapo e Ojala já fazem muito em conseguir se projetar a partir da Finlândia e deviam encher de vergonha invejosa muito artista anglo-ianque, porque as letras são muito criativas.
O barateamento dos sintetizadores, a partir do fim dos anos 70, possibilitou que as bandas pudessem se reduzir a apenas um par de membros, por isso nos 80’s, duplas como Eurythmics, Pet Shop Boys, Yazoo, Tears For Fears e tantas outras, dominaram a cena pop. É nessa tradição eletro-oitentista que se encaixa o Burning Hearts.
Dia 19 de maio, saiu Battelfields, terceiro álbum de Rapo e Ojala, com suas 9 faixas cheias de belas melodias transbordantes de melancolia, sem serem tristes. Rapo e Ojala usam a tecnologia pra trazer um som que parece de banda de verdade e não coleção sobreposta de instrumentos computadorizados. As letras continuam muito inteligentes, como a da bela Atacama, que abre e fecha o LP: “my scars could cover most of Atacama/Dry and cold/Won’t you warm me up”? Em Work Of Art, o eterno coração partido de Rapo explica, “I have no real title/I work without any degree/But I do know how to speak fluent cardiology”. Num mundo pop dominado por bravatas cheias de palavrões – ainda por cima escritas por nativos em inglês – Burning Hearts parece Shelley. Work Of Heart ainda tem a destacar o teclado, caso de cromossomo K no DNA musical, mesmo que o artista nem saiba da existência do Kraftwerk, neste caso, fase The Man Machine (1978). E não estou dizendo que os finlandeses não saibam quem são os alemães; duvido muito que seja o caso. Essa dupla conhece bem sua tradição.
Battlefields é cheio de lindas melodias, harmonias e teclados inverno-outonais, mas nunca cai no gótico. Veja Chaos and Drama, por exemplo, que a despeito pelo que sugere o título, lembra Enya e não o Bauhaus. In My Garden tem aquele baixo gorducho e soturno e letra que fala dum jardim sem vida, mas eis que de repente surge gélido teclado prespontando a melodia. O choque do agudo com o grave prevalente grave, os vocais cristalinos de Rapo e a produção mais pop não deixam o caos prevalecer, só o drama, que é o charme do Burning Hearts: muito drama! Ticket tem guitarrinha sampleada, mas o negócio da dupla é synthpop.
A única faixa dançável é Folie à Deux, que vai direto na veia do que significa o Burning Hearts: synthpop europeu anos 80; a faixa agradaria tanto a fãs do pop brasuca do Metrô, quanto a amantes do The Cure, fase The Forest. Irresistível. Bodies As Battlefields é como se o The Other Two – aquela metade bem menos famosa do New Order – tivesse chamado o produtor de Robin S pruma colaboração.  
Fofo, bom, acessível pra alunos de inglês cantem junto, porque a vocalista não é nativa, Burning Hearts é uma delícia.

E não é que dos Home Counties, mencionados na resenha do mais recente Saint Etienne, vem outra promessa indie-pop? Hannah Rodgers nasceu na quase campesina Chisptead e estudou na afamada BRIT School, que deu ao mundo divas mainstream, como Amy Winehouse e Adele. Hannah preferiu ser alternativa, adotou o pós-moderno nome artístico Pixx (na verdade, o apelido da avó; moderno, não?) e é contratada do venerável selo independente 4AD, casa dos atuais queridinhos Beirut e Grimes, mas cujo histórico tem pérolas 80’s e 90’s, como Cocteau Twins, This Mortal Coil e Dead Can Dance.
Depois de elogiado EP, a britânica de 21 anos estreou em LP com The Age Of Anxiety, dia 2 de junho. Em tempos Temerosos de insensibilidade social cada vez maior, o título parece feito sob encomenda, mas a inspiração veio do nome dum longo poema de W.H.Auden, escrito em 1947, que parece que Pixx jamais leu. Na obra, o poeta fala das agruras do homem moderno, sem identidade, num mundo crescentemente industrializado. Título perfeito pra atualidade Trumposa de desigualdades e ódios crescentes, mas também indicador de que vista de perto, toda era é de ansiedade.
Apesar do nome pomposo e que dá medinho de pretensão, The Age Of Anxiety não discursa muito, até porque várias faixas versam sobre experiências pessoais da compositora, como Waterslide, sobre um pesadelo recorrente da infância. A ansiedade da fragmentação e isolamento da sociedade líquida também não resultaram em trabalho casmurro. Pelo contrário, a dúzia de faixas revela – em seus naturais altos e baixos – uma menina capaz de esculpir peças pop hipnóticas e animadas, como a sensacional abertura I Bow Down. Pixx sabe como perpetrar melodias pop lindas, como em Grip e o clima pode escurecer, como em Your Delight, mas é sempre acessível. É assim, Pixx gostaria de “saber dançar como as outras garotas”, como deseja em The Girls, mas não se esforça muito pra isso, então, seu som é alternativo, mas passível de ser gostado por fãs de Lana ou até mais maduros de cabeça aberta, que sejam admiradores de qualquer artista mencionado neste texto.
Pixx não tem voz imediatamente memorável ou possante como suas companheiras de BRIT, mas não tem pruridos em tratá-la pra deixar o clima lúdico, como em Toes e até floreia bonito na climática Mood Ring Eyes. Em The Age Of Anxiety essa não-overdose de vocais personalistas acaba tendo o efeito positivo de realçar os timbres e texturas, tão importantes pra Pixx. Na era do pop star moribundo (pelo menos é o que dizem), a voz é apenas mais um elemento na ambiance da canção.
Um dos traços mais animadores de The Age Of Anxiety é a originalidade do pop pixxiano. Bem na tradição luxuosa dos artistas da 4AD, os arranjos são cheios de detalhes. Uma ds coisas mais excitantes desse nova música composta a partir de pedaços pré-existentes em computadores é a maleabilidade possível nos arranjos. Ouça Baboo pra constatar como tem coisa acontecendo o tempo todo. Claro que dá pra notar certo débito à cena grime, afinal, Pixx não veio de Saturno, suas raízes estão no que ouviu e processou, que vai desde Kate Bush a Joni Mitchell. Mas, o excitante é a ausência de trechos instantaneamente reconhecíveis como isso ou aquilo. Não que tal familiaridade seja defeito, mas a música pop precisa avançar e Pixx pode ser um desses passos adiante. Tente o batuque pós-tudo de A Big Cloud To Float Upon e veja como Marrocos convive com Kate Bush, teclado sequenciado, guitarra funk-rock e electronica grime.
Pixx e The Age Of Anxiety mantem a tradição de excelência da 4AD e engrossam a fornada britânica de experimentadores populares acessíveis. Viva o pop britânico, sempre tudo!

domingo, 23 de julho de 2017

EXPOSIÇÃO PORTUGUESA

Daniel Rodrigues fotografou a perseguição aos albinos


O trabalho foi feito para o New York Times, correu mundo e fez parte do portfólio que valeu a Daniel Rodrigues o Prémio POY Latino.A repórter Barbara Baldaia visitou a exposição na companhia do autor, o fotojornalista do New York Times, Daniel Rodrigues


A exposição dá conta da violência e dos crimes cometidos sobre os albinos de Moçambique e do Malawi
Vamos parar na fotografia em que se vê um homem albino rodeado de quatro crianças não albinas.
A história por trás desta imagem impressionou o fotógrafo. O homem que vemos na imagem chama-se Ricardo: "Agora ele anda cheio de medo, porque a irmã foi assassinada por encomenda do marido, ou seja, o cunhado dele. E anda com medo porque sabe que o cunhado agora anda atrás dele".
O melhor da TSF no seu email

Depois da irmã de Ricardo, também albina, ter sido encontrada morta, o cunhado apareceu com um carro. Daniel Rodrigues explica que um corpo de um albino pode render 40 mil euros. "Já não me recordo quanto, mas as mãos podem valer dinheiro, os pés podem valer saúde, a cabeça pode valer ainda mais coisas, ou seja, o corpo é partido aos pedaços e vendido", explica.

Vendido a quem? Não se sabe ao certo. Todos falam num "boss". O fotojornalista explica que o esquema estará relacionado com a magia negra e o tráfico de órgãos.

Noutra fotografia vemos a cara de uma mulher escondida por uma moldura com o retrato de um albino.
A mulher chama-se Flávia e o pai morreu com diabetes. "Acontece muito que as campas sejam vandalizadas, retiram os restos mortais e depois vão vender" - foi isso que aconteceu neste caso.

E ali ao lado, a fotografia de um homem com feridas abertas no rosto e a cabeça coberta com gaze
"É o Peter, do Malawi, é muito inteligente, fala muito bem inglês, tem 26 anos, infelizmente tem um cancro e ninguém o trata porque é albino. Uma das coisas que me impressionou é que a carne já está podre e havia um cheiro intenso quando eu cheguei lá", descreve o vencedor do WPP.

Peter, do Malawi, Flávia e Ricardo, de Moçambique, são três das histórias com que Daniel Rodrigues se cruzou. São exemplos que dão rosto à frase "albino não morre, desaparece", associada à profecia que existe naqueles países de que quem tiver parte de corpo de um albino pode enriquecer ou ter sorte na vida.

A exposição vai estar na Galeria Manifesto, em Matosinhos, até meados de Setembro

NOTA DO DR. ALBEE: ACESSE O LINK PARA OUVIR A ENTREVISTA E VER ALGUMAS FOTOS:

sábado, 22 de julho de 2017

SUSTO ALBINO


Jovem é picado por cobra albina dentro de ônibus: 'Susto'


Rapaz ia de Auriflama para General Salgado. Ele foi socorrido até a Santa Casa de Votuporanga, onde ficou em observação e já foi liberado.

Cobra foi colocada em garrafa pet e levada à Polícia Ambiental (Foto: Reprodução/TV TEM)

Um administrador de empresas de 26 anos foi picado por uma cobra albina enquanto viajava de ônibus de Auriflama para General Salgado (SP), na noite deste domingo (16). Segundo o rapaz, que preferiu não ser identificado, ele pegou o ônibus às 20h30 em Auriflama e ia para sua casa em General Salgado, quando sentiu a picada.


"Foi um verdadeiro susto. De repente, quase chegando em General Salgado, senti uma picada no pé. Acendi a lanterna do celular para ver o que era. Quando clareei o chão, vi uma cobra. Ela tinha tamanho médio", conta.

O administrador foi socorrido até a Santa Casa de Votuporanga, onde ficou em observação e já foi liberado. Ele afirma que usava sapato fechado e ainda não entendeu o que fazia uma cobra dentro do ônibus.

O motorista colocou a cobra dentro de uma garrafa plástica e a entregou à Polícia Ambiental de Votuporanga. A polícia também investiga se o réptil era de alguém de dentro do ônibus.

Havia suspeita de a cobra ser venenosa, mas a Polícia Ambiental confirmou que o animal é da espécie cobra do milho snow, e é exótica, mas não peçonhenta.

A empresa Expresso Itamarati, que fazia a linha, disse que vai abrir uma ocorrência para investigar o caso. A empresa também disse que faz a limpeza constantemente nos veículos e que onde a cobra foi achada irá passar por vistoria.

ALBINO GOURMET 235

sexta-feira, 21 de julho de 2017

BEM ESTAR APRESENTANDO RESULTADOS

Uma família de Vila Velha, Espírito Santo, vivia um drama: os pais não sabiam se Arthur, de quase 2 anos, era albino. Desde quando ele nasceu a família aguarda pra fazer simples exames pelo SUS pra descobrir, mas, até então não conseguiram. 
Ao ver a série Invisíveis, do Programa Bem Estar, a mãe pediu ajuda. Eles foram pra Santa Casa em São Paulo e fizeram o exame. 
O resultado está na reportagem do Bem Estar, que você assiste no link:

quinta-feira, 20 de julho de 2017

PRÊMIO ALBINO

Filme sobre a relação dos albinos com o sol de Cuiabá é vencedor de Mostra Sesc de Cinema
Filme sobre a relação dos albinos com o sol de Cuiabá é vencedor de Mostra Sesc de Cinema
O curta-metragem “Filhos da Lua na Terra do Sol”, de Danielle Bertolini, foi o vencedor de Mato Grosso na Mostra Sesc de Cinema na última semana. O documentário trata a relação entre as pessoas albinas e o sol de Cuiabá.

O anúncio dos vencedores das mostras regionais foi feito no último dia 13 de julho, quinta-feira, em uma cerimônia realizada no Cine Odeon, na cidade do Rio de Janeiro. Ao todo, 34 filmes foram premiados com o licenciamento para exibição pelo Sesc em suas unidades no Brasil e que compõem a primeira edição da Mostra Sesc de Cinema (2016/2017).
 
Danielle concorreu com outros filmes como: “Hirigaray na cidade das artes”, de João Manteufel, “Três tipos de medo”, de Bruno Bini, “Meu Rio Vermelho”, de Rafael Irineu, e outros.
 
De acordo com a assessoria do Sesc, no total foram 1.250 filmes inscritos na mostra e 957 habilitados a participar do concurso. Destes, 640 vieram das capitais e 317 do interior.
 
Além disso, dos 957 filmes, 467 compuseram o programa das mostras estaduais, sendo 424 curta metragens (174 documentários e 250 ficções) e 43 longa metragens (35 documentários e 8 ficções) concorrendo à indicação para seguir no concurso. Cento e vinte e um filmes foram premiados nas mostras estaduais, com licenciamento para exibição no âmbito de seus estados de origem.
 
As inscrições para a Mostra Sesc de Cinema 2017/2018 começam no próximo dia 1º de agosto e seguem até o dia 1º de outubro de 2017. O edital já pode ser acessado AQUI. Mais informações AQUI.

TELONA QUENTE 194

Resultado de imagem para a noiva do diabo
Roberto Rillo Bíscaro

A Idade Média e a Igreja Católica não infrequentemente são as únicas associadas à caça e morte às bruxas. Embora a Inquisição envergonhará eternamente a Santa Madre Igreja, a Reforma Protestante foi responsável por um banho de sangue e carne queimada em várias partes da Europa, já na Idade Moderna. Dramaturgicamente, os mais famosos julgamentos por bruxaria são os de Salem, cidade norte-americana nas cercanias de Boston. Arthur Miller e Hollywood se encarregaram disso.
Na protestante Europa setentrional, houve ferozes e interesseiras perseguições a hereges, em sua maioria mulheres. Estimativas que chegam a muitas dezenas ou centenas de milhares de óbitos, sem contar as torturas. Na Escandinávia, os julgamentos e execuções de quase 100 mulheres, em Vardø (1621), são o primeiro caso de histeria maciça provocada pelo temor às forças satânicas.
Ano passado, a diretora Saara Cantell tematizou a primeira caça sistemática às bruxas na Finlândia, que aconteceu em 1666, na ilha de Åland, a meio caminho entre o país e a Suécia. Embora na Finlândia a maioria dos condenados por bruxaria tenha sido homens – grande exceção – A Noiva do Diabo apresenta o familiar cenário de mulheres pobres e/ou meio doidivanas acusadas de pactos diabólicos, os quais confessam por livre e espontânea tortura.
Um juiz sueco metido a proto-Iluminista chega à ilha e fica chocado com a fluidez com que a fé cristã se entrelaça com crendices e superstições pagãs. Saber que a Finlândia era famosa em toda a Europa por sua suposta feitiçaria e que pertencia à Suécia enriquecem o contexto interpretativo, pois a caçada aos costumes religiosos não-cristãos também está imbricada em relações colonizador/colonizado, não explicitadas pelo filme. Enquanto Nils Psilander crescentemente acredita e aplica nos indefesos sua vontade de acabar com a corrupção (discurso anticorrupção, flexível trampolim pra arbitrariedade) moral, a adolescente Ana apaixona-se pelo marido duma amiga e não hesita em denunciá-la.
Além da belíssima cinematografia, A Noiva do Diabo se sai melhor na parte histórica, digamos. O roteiro mostra como interesses pessoais, inclusive do clero, conduziam mulheres à m/corte. Papito estupra vigem, daí denuncia como bruxa a mulher que ameaçava denunciá-lo publicamente. Nossa milenar misoginia é escancarada e dói constatá-la.
A parte a que se propõe o título, porém, fica léguas a desejar. Ana e o amante não têm química, porque quase nem aparecem juntos; não dá pra empatizar direito com ninguém e por aí vai. A impressão é que Cantell queria falar sobre a situação sócio-histórica e usou o tal caso como mera desculpa. Se tivesse optado por entregar a alma ao incidente de perseguição religiosa, apenas usando os motivadores das denúncias pra que as entendêssemos melhor, A Noiva do Diabo seria superior e provavelmente teria outro nome.
Como ferramenta pedagógica pra despertar interesse de aluno, A Noiva do Diabo vai além de propiciar óbvio projeto multidisciplinar de História e Geografia. Em tempos onde mídia e redes sociais suspeitam, julgam, condenam e apedrejam tudo na mesma reportagem/postagem, podemos realmente olhar com superioridade aqueles caçadores de bruxas do passado?

A Noiva do diabo consta do catálogo brasileiro da Netflix.