Roberto Rillo Bíscaro
Um dos traços distintivos do Saint Etienne, desde seu
surgimento em 1990, é a capacidade de ser britânico, mas, paradoxalmente, soar
mais cosmopolita do que a maioria de seus compatriotas. A começar pelo nome
francês – desafeto histórico dos ingleses! – o trio sempre infundiu elementos
europeus continentais ao seu indie-dancepop
e isso é mais do que importante agora, quando a Grã-Bretanha escancarou nas
urnas sua insularidade Brexitosa.
Passados cinco anos desde o último álbum, Sarah Cracknell,
Bob Stanley e Pete Wiggs lançaram Home Counties, dia 2 de junho. Nesse meio
tempo, a vocalista gravou álbum solo (leia resenha aqui); Stanley escreveu o
elogiado Yeah! Yeah! Yeah!: The Story of Modern Pop e Wiggs compôs trilhas para
filmes e continuou suas atividades de radialista e DJ.
Os Home Counties são os condados que circundam Londres.
Esses subúrbios [no sentido anglo-americano do termo] têm sido o celeiro de astros
pop desde os anos 1950. Assim, associado à badalação multicultural londrina, o
Saint Etienne resolveu tematizar a vida, beleza, costumes, prazeres e tédio dos
lugares totalmente dissociados disso, que tão bem conhecem, porque foi lá onde
nasceram seus integrantes.
Home Counties, o LP, é quase conceitual, estruturado como
programa de rádio. Das 19 faixas, 5 são vinhetas com trechos de radialistas e
Sweet Arcadia, uma das mais longas, é instrumental com Cracknell narrando um
monte de lugares e suas características. E tome letras falando de coisas tão
“britânicas” como a obsessão por trens, no pop-hall deliciosamente intitulado
Train Drivers In Eyeliner ou a algo sombria Heather, sobre o caso do poltergeist de Enfield, que rendeu a
ótima minissérie The Enfield Haunting, aqui resenhada. Há até os quase 2
minutos de Church Pew Furniture Restorer com seus pássaros canoros e coro
eclesiástico de meninos, que já vimos/ouvimos em um sem-número de filmes
essencialmente “britânicos”; sabe aquela coisa Shadowlands, dos anos 90?
Mas, graças à urbanidade do Saint Etienne, um álbum estereotipicamente
inglês até a medula é audível e faz sentido para qualquer ouvinte
ocidentalizado, porque o trio polvilha-o de referências além-ilha. Para se ter
ideia, logo após o coro dos meninos vem o pop sessentista de Take It All In,
puro Serge Gainsburg. Aliás, um título desses ganharia sentido radicalmente
distinto se cantada pela inglesa mais francesa da História, e parceira de
Gainsburg, Jane Birkin. Mas, como o Saint Etienne é cosmopolita, mas mantém a
reserva pela qual seu país é famoso, a canção não segura a sensualidade no
refrão com voz de fadinha pura e não gemido à Birkin. E isso não é defeito.
Talvez mais famoso por ser dançável, o único momento em
que o Saint Etienne ferve na pista é o disco-funk mediterrâneo-tropicaliente de
Dive. Em Underneath The Apple Tree o trio decide ser girl group anos 60, mas Cracknell não abre mão do sotaque upper-class britânico pra tentar emular
moçoila negra de Detroit. São essas idiossincrasias que tornam o Saint Etienne
tão bom. Apple é pronunciada no mais puro Queen’s
English. E isso é muito bom.
Uma das coisas mais líricas de Home Counties é Out Of My
Mind, com seu senso de melodia e teclado herdados do Orchestral Maneuvres In
The Dark, uma das influências do Saint Etienne. Pra pôr no repeat e ouvir até parar a tremedeira. Whyteleafe é uma delícia
deslizante introduzida por solo de piano simulando aqueles instrumentos do
século XVII, tipo cravo. Faz sentido se você perceber a grafia antiquada do
nome da aldeia, em Surrey. Sacou? White Leaf...
O probleminha de Home Counties é que as faixas iniciais e
finais não fazem jus às citadas. Não são ruins, mas não brilham. Darei desconto
pra After Hebden, porque derreto com voz de menininha (Cracknell já é 50tona,
como eu!) cantando papapapa papapa (ai ai), mas as demais são mais música de
fundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário