segunda-feira, 24 de julho de 2017

CAIXA DE MÚSICA 275

Roberto Rillo Bíscaro

Há pouco mais de uma década, a vocalista Jessika Rapo e o baterista Henry Ojala fundaram sofisticado duo de synthpop, o Burning Hearts. Não vieram de Londres, Nova York ou Berlin, mas da pouco cotada Finlândia. E ainda se dão ao luxo de dispensar a capital Helsinki e gravar no interior, lançando por microsselos. A extravagância que não se podem dar, porém, é a de cantar em seu idioma pátrio. As ótimas composições do Burning Hearts são em inglês, o que os já levou até pra shows em Nova York. Mas não daria pra pedir mais da dupla: no mundo globalizado, o idioma pra furar fronteiras é o de Shakespeare. Rapo e Ojala já fazem muito em conseguir se projetar a partir da Finlândia e deviam encher de vergonha invejosa muito artista anglo-ianque, porque as letras são muito criativas.
O barateamento dos sintetizadores, a partir do fim dos anos 70, possibilitou que as bandas pudessem se reduzir a apenas um par de membros, por isso nos 80’s, duplas como Eurythmics, Pet Shop Boys, Yazoo, Tears For Fears e tantas outras, dominaram a cena pop. É nessa tradição eletro-oitentista que se encaixa o Burning Hearts.
Dia 19 de maio, saiu Battelfields, terceiro álbum de Rapo e Ojala, com suas 9 faixas cheias de belas melodias transbordantes de melancolia, sem serem tristes. Rapo e Ojala usam a tecnologia pra trazer um som que parece de banda de verdade e não coleção sobreposta de instrumentos computadorizados. As letras continuam muito inteligentes, como a da bela Atacama, que abre e fecha o LP: “my scars could cover most of Atacama/Dry and cold/Won’t you warm me up”? Em Work Of Art, o eterno coração partido de Rapo explica, “I have no real title/I work without any degree/But I do know how to speak fluent cardiology”. Num mundo pop dominado por bravatas cheias de palavrões – ainda por cima escritas por nativos em inglês – Burning Hearts parece Shelley. Work Of Heart ainda tem a destacar o teclado, caso de cromossomo K no DNA musical, mesmo que o artista nem saiba da existência do Kraftwerk, neste caso, fase The Man Machine (1978). E não estou dizendo que os finlandeses não saibam quem são os alemães; duvido muito que seja o caso. Essa dupla conhece bem sua tradição.
Battlefields é cheio de lindas melodias, harmonias e teclados inverno-outonais, mas nunca cai no gótico. Veja Chaos and Drama, por exemplo, que a despeito pelo que sugere o título, lembra Enya e não o Bauhaus. In My Garden tem aquele baixo gorducho e soturno e letra que fala dum jardim sem vida, mas eis que de repente surge gélido teclado prespontando a melodia. O choque do agudo com o grave prevalente grave, os vocais cristalinos de Rapo e a produção mais pop não deixam o caos prevalecer, só o drama, que é o charme do Burning Hearts: muito drama! Ticket tem guitarrinha sampleada, mas o negócio da dupla é synthpop.
A única faixa dançável é Folie à Deux, que vai direto na veia do que significa o Burning Hearts: synthpop europeu anos 80; a faixa agradaria tanto a fãs do pop brasuca do Metrô, quanto a amantes do The Cure, fase The Forest. Irresistível. Bodies As Battlefields é como se o The Other Two – aquela metade bem menos famosa do New Order – tivesse chamado o produtor de Robin S pruma colaboração.  
Fofo, bom, acessível pra alunos de inglês cantem junto, porque a vocalista não é nativa, Burning Hearts é uma delícia.

E não é que dos Home Counties, mencionados na resenha do mais recente Saint Etienne, vem outra promessa indie-pop? Hannah Rodgers nasceu na quase campesina Chisptead e estudou na afamada BRIT School, que deu ao mundo divas mainstream, como Amy Winehouse e Adele. Hannah preferiu ser alternativa, adotou o pós-moderno nome artístico Pixx (na verdade, o apelido da avó; moderno, não?) e é contratada do venerável selo independente 4AD, casa dos atuais queridinhos Beirut e Grimes, mas cujo histórico tem pérolas 80’s e 90’s, como Cocteau Twins, This Mortal Coil e Dead Can Dance.
Depois de elogiado EP, a britânica de 21 anos estreou em LP com The Age Of Anxiety, dia 2 de junho. Em tempos Temerosos de insensibilidade social cada vez maior, o título parece feito sob encomenda, mas a inspiração veio do nome dum longo poema de W.H.Auden, escrito em 1947, que parece que Pixx jamais leu. Na obra, o poeta fala das agruras do homem moderno, sem identidade, num mundo crescentemente industrializado. Título perfeito pra atualidade Trumposa de desigualdades e ódios crescentes, mas também indicador de que vista de perto, toda era é de ansiedade.
Apesar do nome pomposo e que dá medinho de pretensão, The Age Of Anxiety não discursa muito, até porque várias faixas versam sobre experiências pessoais da compositora, como Waterslide, sobre um pesadelo recorrente da infância. A ansiedade da fragmentação e isolamento da sociedade líquida também não resultaram em trabalho casmurro. Pelo contrário, a dúzia de faixas revela – em seus naturais altos e baixos – uma menina capaz de esculpir peças pop hipnóticas e animadas, como a sensacional abertura I Bow Down. Pixx sabe como perpetrar melodias pop lindas, como em Grip e o clima pode escurecer, como em Your Delight, mas é sempre acessível. É assim, Pixx gostaria de “saber dançar como as outras garotas”, como deseja em The Girls, mas não se esforça muito pra isso, então, seu som é alternativo, mas passível de ser gostado por fãs de Lana ou até mais maduros de cabeça aberta, que sejam admiradores de qualquer artista mencionado neste texto.
Pixx não tem voz imediatamente memorável ou possante como suas companheiras de BRIT, mas não tem pruridos em tratá-la pra deixar o clima lúdico, como em Toes e até floreia bonito na climática Mood Ring Eyes. Em The Age Of Anxiety essa não-overdose de vocais personalistas acaba tendo o efeito positivo de realçar os timbres e texturas, tão importantes pra Pixx. Na era do pop star moribundo (pelo menos é o que dizem), a voz é apenas mais um elemento na ambiance da canção.
Um dos traços mais animadores de The Age Of Anxiety é a originalidade do pop pixxiano. Bem na tradição luxuosa dos artistas da 4AD, os arranjos são cheios de detalhes. Uma ds coisas mais excitantes desse nova música composta a partir de pedaços pré-existentes em computadores é a maleabilidade possível nos arranjos. Ouça Baboo pra constatar como tem coisa acontecendo o tempo todo. Claro que dá pra notar certo débito à cena grime, afinal, Pixx não veio de Saturno, suas raízes estão no que ouviu e processou, que vai desde Kate Bush a Joni Mitchell. Mas, o excitante é a ausência de trechos instantaneamente reconhecíveis como isso ou aquilo. Não que tal familiaridade seja defeito, mas a música pop precisa avançar e Pixx pode ser um desses passos adiante. Tente o batuque pós-tudo de A Big Cloud To Float Upon e veja como Marrocos convive com Kate Bush, teclado sequenciado, guitarra funk-rock e electronica grime.
Pixx e The Age Of Anxiety mantem a tradição de excelência da 4AD e engrossam a fornada britânica de experimentadores populares acessíveis. Viva o pop britânico, sempre tudo!

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