Roberto Rillo Bíscaro
Há pouco mais de uma década, a vocalista Jessika Rapo e o
baterista Henry Ojala fundaram sofisticado duo de synthpop, o Burning Hearts.
Não vieram de Londres, Nova York ou Berlin, mas da pouco cotada Finlândia. E ainda
se dão ao luxo de dispensar a capital Helsinki e gravar no interior, lançando
por microsselos. A extravagância que não se podem dar, porém, é a de cantar em
seu idioma pátrio. As ótimas composições do Burning Hearts são em inglês, o que
os já levou até pra shows em Nova York. Mas não daria pra pedir mais da dupla:
no mundo globalizado, o idioma pra furar fronteiras é o de Shakespeare. Rapo e
Ojala já fazem muito em conseguir se projetar a partir da Finlândia e deviam
encher de vergonha invejosa muito artista anglo-ianque, porque as letras são
muito criativas.
O barateamento dos sintetizadores, a partir do fim dos
anos 70, possibilitou que as bandas pudessem se reduzir a apenas um par de
membros, por isso nos 80’s, duplas como Eurythmics, Pet Shop Boys, Yazoo, Tears
For Fears e tantas outras, dominaram a cena pop. É nessa tradição
eletro-oitentista que se encaixa o Burning Hearts.
Dia 19 de maio, saiu Battelfields, terceiro álbum de Rapo
e Ojala, com suas 9 faixas cheias de belas melodias transbordantes de
melancolia, sem serem tristes. Rapo e Ojala usam a tecnologia pra trazer um som
que parece de banda de verdade e não coleção sobreposta de instrumentos
computadorizados. As letras continuam muito inteligentes, como a da bela
Atacama, que abre e fecha o LP: “my scars could cover most of Atacama/Dry and cold/Won’t
you warm me up”? Em Work Of Art, o eterno coração partido de Rapo explica, “I
have no real title/I work without any degree/But I do know how to speak fluent
cardiology”. Num mundo pop dominado por bravatas cheias de palavrões – ainda
por cima escritas por nativos em inglês – Burning Hearts parece Shelley. Work
Of Heart ainda tem a destacar o teclado, caso de cromossomo K no DNA musical,
mesmo que o artista nem saiba da existência do Kraftwerk, neste caso, fase The
Man Machine (1978). E não estou dizendo que os finlandeses não saibam quem são
os alemães; duvido muito que seja o caso. Essa dupla conhece bem sua tradição.
Battlefields é cheio de lindas melodias, harmonias e
teclados inverno-outonais, mas nunca cai no gótico. Veja Chaos and Drama, por
exemplo, que a despeito pelo que sugere o título, lembra Enya e não o Bauhaus.
In My Garden tem aquele baixo gorducho e soturno e letra que fala dum jardim
sem vida, mas eis que de repente surge gélido teclado prespontando a melodia. O
choque do agudo com o grave prevalente grave, os vocais cristalinos de Rapo e a
produção mais pop não deixam o caos prevalecer, só o drama, que é o charme do
Burning Hearts: muito drama! Ticket tem guitarrinha sampleada, mas o negócio da
dupla é synthpop.
A única faixa dançável é Folie à Deux, que vai direto na
veia do que significa o Burning Hearts: synthpop europeu anos 80; a faixa
agradaria tanto a fãs do pop brasuca do Metrô, quanto a amantes do The Cure,
fase The Forest. Irresistível. Bodies As Battlefields é como se o The Other Two
– aquela metade bem menos famosa do New Order – tivesse chamado o produtor de
Robin S pruma colaboração.
Fofo, bom, acessível pra
alunos de inglês cantem junto, porque a vocalista não é nativa, Burning Hearts
é uma delícia.
E não é que dos Home Counties, mencionados na resenha do
mais recente Saint Etienne, vem outra promessa indie-pop? Hannah Rodgers nasceu
na quase campesina Chisptead e estudou na afamada BRIT School, que deu ao mundo
divas mainstream, como Amy Winehouse
e Adele. Hannah preferiu ser alternativa, adotou o pós-moderno nome artístico
Pixx (na verdade, o apelido da avó; moderno, não?) e é contratada do venerável
selo independente 4AD, casa dos atuais queridinhos Beirut e Grimes, mas cujo histórico
tem pérolas 80’s e 90’s, como Cocteau Twins, This Mortal Coil e Dead Can Dance.
Depois de elogiado EP, a britânica de 21 anos estreou em
LP com The Age Of Anxiety, dia 2 de junho. Em tempos Temerosos de
insensibilidade social cada vez maior, o título parece feito sob encomenda, mas
a inspiração veio do nome dum longo poema de W.H.Auden, escrito em 1947, que
parece que Pixx jamais leu. Na obra, o poeta fala das agruras do homem moderno,
sem identidade, num mundo crescentemente industrializado. Título perfeito pra
atualidade Trumposa de desigualdades e ódios crescentes, mas também indicador
de que vista de perto, toda era é de ansiedade.
Apesar do nome pomposo e que dá medinho de pretensão, The
Age Of Anxiety não discursa muito, até porque várias faixas versam sobre
experiências pessoais da compositora, como Waterslide, sobre um pesadelo
recorrente da infância. A ansiedade da fragmentação e isolamento da sociedade
líquida também não resultaram em trabalho casmurro. Pelo contrário, a dúzia de
faixas revela – em seus naturais altos e baixos – uma menina capaz de esculpir
peças pop hipnóticas e animadas, como a sensacional abertura I Bow Down. Pixx
sabe como perpetrar melodias pop lindas, como em Grip e o clima pode escurecer,
como em Your Delight, mas é sempre acessível. É assim, Pixx gostaria de “saber
dançar como as outras garotas”, como deseja em The Girls, mas não se esforça
muito pra isso, então, seu som é alternativo, mas passível de ser gostado por
fãs de Lana ou até mais maduros de cabeça aberta, que sejam admiradores de
qualquer artista mencionado neste texto.
Pixx não tem voz imediatamente memorável ou possante como
suas companheiras de BRIT, mas não tem pruridos em tratá-la pra deixar o clima
lúdico, como em Toes e até floreia bonito na climática Mood Ring Eyes. Em The
Age Of Anxiety essa não-overdose de vocais personalistas acaba tendo o efeito
positivo de realçar os timbres e texturas, tão importantes pra Pixx. Na era do pop star moribundo (pelo menos é o que
dizem), a voz é apenas mais um elemento na ambiance
da canção.
Um dos traços mais animadores de The Age Of Anxiety é a
originalidade do pop pixxiano. Bem na tradição luxuosa dos artistas da 4AD, os
arranjos são cheios de detalhes. Uma ds coisas mais excitantes desse nova
música composta a partir de pedaços pré-existentes em computadores é a
maleabilidade possível nos arranjos. Ouça Baboo pra constatar como tem coisa
acontecendo o tempo todo. Claro que dá pra notar certo débito à cena grime, afinal, Pixx não veio de Saturno,
suas raízes estão no que ouviu e processou, que vai desde Kate Bush a Joni
Mitchell. Mas, o excitante é a ausência de trechos instantaneamente
reconhecíveis como isso ou aquilo. Não que tal familiaridade seja defeito, mas
a música pop precisa avançar e Pixx pode ser um desses passos adiante. Tente o
batuque pós-tudo de A Big Cloud To Float Upon e veja como Marrocos convive com
Kate Bush, teclado sequenciado, guitarra funk-rock e electronica grime.
Pixx e The Age Of Anxiety mantem a tradição de excelência
da 4AD e engrossam a fornada britânica de experimentadores populares
acessíveis. Viva o pop britânico, sempre tudo!
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