A PORNOGRAFIA NÃO É MAIS AQUELA...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Sim, o título é proposital, malicioso e provocativo. Até ouço a continuidade da frase que rima “não é mais aquela...” O eco, contudo, fica restrito a cada leitor ou leitora e, exatamente isso serve de começo para uma conversa séria. Vamos rasgar o verbo sem muitos melindres, e tocar num tema que merece cuidados, hoje mais do que antes. Comecemos pela diferença entre erotismo e pornografia. O primeiro é insinuante, implícito, está ligado à sedução, contém o frescor de convite a algo mais. O segundo, a pornografia, é direta, apela para o instinto de maneira grosseira e explícita, sem apuro enredante, zero sutileza, e dispensa a graça que marca o primeiro. Sei que não é preciso me alongar no assunto, pois todos temos destiladas essas diferenças, quase adversas em sua aparente finalidade na busca do prazer. Um implica inteligência, o outro...
É incrível, mas notório, que falar de sexo no Brasil ainda
é tabu; e de tal forma isso chega a apavorar que é de mau tom tocar no assunto. Por incrível que pareça, nossa
sociedade, de maneira cínica, anula abordagens sobre tudo que remete à alegria sexual,
e nesse pacote se situa o avesso do encanto, a pornografia. O silêncio, diga-se,
é o grande responsável pelo crescimento assustador que os produtos
pornográficos ganham. Hoje é sabido, há rentável indústria da pornografia, e
ainda que seu acesso seja facilitado de maneira a ser consumido em nossos
lares, mantemos o hipócrita pacto de nada dizer. Na quietude delegada ao
assunto está o vigor de sua formidável consequência. De tão “ignorado” o tema,
existem vetos à sua tangência em escolas, igrejas, círculos de amizade, e assim
sobrevivem as diversas formas das mercadorias pornográficas. Ainda que não seja
apenas coisa de jovens, é sobre eles que se opera a força galopante desse
consumo. A sombra da cômoda alienação, parece que enquanto problema, a
pornografia apenas existe longe de nossas casas e não nos atinge diretamente.
São interessantes os discursos afeitos ao tema. Quando
escapa do silêncio, quase sempre de maneira sorrateira, ele ganha foros de
gênero. Em rodinhas, homens falam entre si do tema, e, aqui e ali, ainda que em
número muito menor, as mulheres também. Logicamente, a repressão da cultura
ocidental se manifesta na esfera do masculino e do feminino. Quando acontece
falar desses temas “sujos”, o mote é muito dissimulado e não faltam tiradas
risíveis e inefáveis piadinhas, quase sempre regadas a picardias. Outro
subterfúgio, igualmente cruel, remete ao tom moralista que domina tudo sobre a
condenação absoluta. É tão comum ver pessoas que condenam a pornografia, aproximarem-na
de decadências, apelar para motes religiosos ou mesmo históricos. Junto com a
noção de pecado, grassa a ideia de castigo. O curioso é que, mesmo assim, a
progressão geométrica se faz medida para a ampliação dos conteúdos
condenatórios. Fala-se de público e privado e também de segredos. E a pornografia
é onipresente, está em todos os lugares, ainda que escondida.
Tudo isso se torna perigoso quando pensamos em nossos familiares,
alunos, conhecidos próximos. Outra face da mesma moeda, como os pais não falam
de sexo em família, a pornografia se torna estratégia quase que intuitiva dos
adolescentes que descobrem a prática sexual por meio dela. E tudo só piora.
Sabe-se de jovens que “aprendem” tudo, absolutamente tudo de depravado, pela
internet. E nem se precisa dizer que isso, muitas vezes, descamba para o vício
e se arrasta vida afora. Todos sabemos de casos exemplares. Todos.
Mas o que fazer,
pois o problema está posto em linhas irreversíveis. Alguns pais, por motivos
outros, colocam o computador na sala, em passagens da casa, em lugares de
acesso coletivo. Outros ao surpreenderem os filhos, batem, e há até aqueles que
vetam acessos das “crianças” aos aparelhos eletrônicos, inclusive celulares. Mais
problemas... Solução?... Só uma: abrir diálogo, e em vez de simplesmente
censurar, instruir, conversar sem pudor. Há algo na pornografia que pode
comprometê-la: seu reconhecimento como fato e a falta de afeto nas relações. A
evidência da satisfação sexual sem envolvimento é tema fundamental e sensível.
Explorar questões ligadas à sacanagem
pela sacanagem, sem negar satisfação, também possibilita pensar em temas indutores
da violência – em particular contra a mulher – e os preconceitos de raça ou
orientação sexual. Isso, muitas vezes, sem falar das distâncias de classes
sociais e outras disputas medidas pelo poder.
É claro que nem só os menores de idade são envolvidos
pela pornografia. Há legiões de adultos que se ligam nesse tipo de
entretenimento e gastam horas, dias, noites, se empenhando em satisfações que,
afinal, os subtraem de convívios sociais e dos contatos diretos e pessoais.
Dados estatísticos mostram que os consultórios de psicólogos e psiquiatras
estão lotados de tipos que chegam à condição de doença com tais práticas. O que
no máximo pode ser feito, em nome da liberdade e do respeito a todos, é falar.
A abertura de diálogo é o único caminho para não confundir censura com
crescimento. Tenhamos certeza: proibir não resolve. E nem se pensa em censura,
ela não funciona. Não dá mais para deixar o tema de lado e assim, para garantir
que a pornografia não é mais aquela, pergunta-se quem tem coragem de falar no
assunto sem limites? Quem?...
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