SOBRE ALGUMAS SUPERSTIÇÕES LIBANESAS
José Carlos Sebe Bom Meihy
Sou daqueles que cresceram ouvindo dizer que gato preto dá azar
e que se deve evita-los. Como historiador, fiquei encantado com o magnífico livro
“O grande massacre dos gatos”, do francês Robert Darton, a respeito de uma
prática comum na França do século XVIII. Diz o relato que em dado dia do ano, a
população se reunia em praça pública para um grande festim em que se
exterminavam os gatos mediante o povo em delírio. Além do pitoresco da situação,
achava que era algo pontual, superado lá mesmo, e nem relacionava com alguma sonoridade
por aqui. Também não fazia ligação com algumas cenas de filmes de terror, hollywoodianos,
em que os negros gatos prenunciavam maus acontecimentos. Do mesmo modo, não via
lógica no fato de certas tribos indígenas latino-americanas padecerem de medo
deles, achando que gatos em geral seriam miniaturas amaldiçoadas pelos
espíritos dos grandes felinos mortos em caçadas. Assim, me foi uma surpresa
enorme tomar conhecimento de que no oriente médio – especificamente do Irã, com
os chamados “gatos persas”, de onde eles seriam originários – isso ganha ares
de fobia coletiva, chegando a perturbar o andamento comunitário de comunidades.
No Líbano, por exemplo, essa história tem dimensões enormes no presente, tão
grandes que levou uma agência, a Impact BBDO, de Dubai, a fazer ruidosa
campanha, em parceria com a Loto Libanesa, usando a hashtag “GoodbyeBadLuck”.
Tudo a fim de coletar o maior número possível de informações sobre os gatos
pretos existentes no país todo. Essa medida tinha fito de proteger os
animais, pois os bichanos que nasciam pretos eram brutalmente exterminados, e
os que sobrevivam por algum motivo, eram maltratados pela população em geral que,
quando possível, deveria matá-los. A campanha começou com uma pesquisa maciça,
divulgada por todos os meios de comunicação, e também nas escolas e até em igrejas
cristãs e mesquitas. O aviso era simples e direto, solicitando que fossem dados
os endereços de localização do animal, pois a Loto libanesa iria resgatá-lo com
ajuda de uma equipe especialmente treinada, com o apoio dos funcionários do
Conselho Médico Libanês e dos veterinários do hospital e pet shop “Animal
Care”. Isso contando, inclusive, com financiamento internacional. Além dessa
divulgação, as entidades envolvidas juntaram ainda mais dinheiro de fundações
protetoras de animais para uma outra ação surpreendente: “deportar” os felinos
para a Nova Zelândia, onde ao contrário do Líbano, a população acredita
que os gatos pretos trazem sorte.
Bastou saber disso para ter a atenção despertada para outras
“manias libanesas”. Foi assim que notei que nas lojas de “lembrancinhas” há um
número desmedido de amuletos e talismãs e, curiosamente, não são apenas os
turistas que compram tais produtos. Aliás, devo dizer que há em árabe uma
palavra específica para tais produtos, conhecidos pela palavra “attar”. É
importante dizer que tais objetos podem ser encontrados também em lojas comuns,
de modas, supermercados, e até em bancas na rua. Conversando com pessoas, é
notável que as informações remetem mais ao fato deles quebrarem alguns mal-
olhados (ou mandigas, como dizemos) do que para dar sorte ou chamar bons
fluidos. São mais defensivos e protetores do que anúncios de bons agouros e
mesmo pedido de saúde, dinheiro ou amor.
Pela fartura de detalhes relativos a essas crendices, comecei a
ficar curioso e assim aprendi que há cores, números e perfumes tuteladores. A
cor mais usada para evitar feitiços é o azul que, segundo dizem, é a cor do
mar, de onde vem os peixes protetores e a estrela do mar, símbolos muito usados
em particular nas entradas internas das casas. Aliás, dizem os libaneses que o
uso de uma peça de roupa azul sempre traz proteção. Em termos de números, o
cinco é o mais famoso e, por exemplo a palma da mão aberta com um olho aberto e
vitrificado é muito popular no Líbano, como em todo Mediterrâneo. A “rakva”,
uma espécie de incenso, também é comumente queimado nas casas a fim de afastar
azares e livrar dos espíritos lançados. Deve-se notar que há outras situações
interessantes para os libaneses que temem sobremaneira os invejosos. Usando
dizeres próximos do Corão, por exemplo, apregoa-se que o invejoso é pior que a
peste, ou que pode ficar cego ou mesmo ter a mão secada.
De tudo o que mais me fascinou nessas investidas de turista
travestido de antropólogo foi saber que por trás de tanta rigidez nos costumes e
rigores religiosos, há aspectos universais que nos garantem a condição humana,
frágil e temerosa de males inexplicáveis que, afinal, nos fazem mais próximos
uns dos outros. Olhando bem, torna-se natural a aceitação de culturas que, em
termos de medo, afinal, não são tão diferentes.
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