terça-feira, 18 de julho de 2017

TELINHA QUENTE 268

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Roberto Rillo Bíscaro

Você sabe que está vendo TV escandinava demais pra padrões sul-americanos quando, mesmo sem entender os idiomas, pressupõe que uma personagem numa série dinamarquesa é, na verdade, sueca, apenas porque falou um monossílabo que você sabe significar “legal”, de tanto que Saga Norén usou nas 3 vezes que você viu as 2 temporadas iniciais de Bron/Broen.
Isso aconteceu enquanto via a primeira temporada de Bedrag (2016): já percebera que o ritmo de fala do coroa barbudo e do mal era distinto dos demais personagens, mas quando ele soltou um “bra” até a cara dele me pareceu realmente sueca. E era mesmo. Ainda bem que já saquei faz tempo que os 2 países são rivais pra aproveitar mais a ironia de ter um matador de aluguel sueco numa série dinamarquesa. Mas, nesse caso, os dinamarqueses não têm muito do que se orgulhar, porque Bedrag tá repleta de gente sem escrúpulos de colarinho muito alvo.
A BBC facilitou muito a vida de quem quer ver TV “diferente”, quando passou a importar massivamente da Noruega, Islândia, Suécia, Dinamarca e agora até da Bélgica. Se pelo menos você lê inglês, já tem repertório bem maior pra ver. Bedrag significa ilusão, mas os ingleses decerto evitaram o título Deception pra não dar ideia de soap, então chamaram-no de Follow The Money.
Prefiro referir-me à produção como Bedrag, mas o título em inglês ressalta bem o caráter de ciranda financeira, que é esse thriller que se pretende ‘sério’, mas é soap na alma e nos muitos furos – quase absurdos por vezes – de roteiro. Importante situar que não estamos no altíssimo nível de Matador, Borgen ou Forbrydelsen. Mas também não é má TV como a Deception ianque; dá pra ver e melhora a cada episódio, até a conclusão absorvente.
A dezena de capítulos da primeira temporada centra-se na Energreen, produtora de energia renovável, grande orgulho da Dinamarca, o “país do vento”. A energia pode até ser limpa, mas Alexander Sødergren, o CEO que tem tapete de pele de animal em sua sala minimalista (viram como ele é malvado?), é mais sujo que pá de lixeiro. Ele tem Claudia Moreno e Ulrik pra ajudá-lo corporativamente e O Sueco pra limpar obstáculos físicos. A morte dum empregado ucraniano leva o detetive Mads Justesen pro caso. Aos poucos, descobrimos ramificações, falcatruas, propinas e até uma história semiparalela de núcleo pobre (bem coisa de novela), que também persegue o dinheiro e se conecta com a trama corporativa.
O interesse aumenta progressivamente e no fim dá até pra se divertir bem, o problema é que o roteiro deixa suas tosquices muito explícitas e é fácil de ser implodido/atacado. Num dia, Mads está em blitz pra checar bicicletas (a ação se passa em Copenhague), no outro no esquadrão de fraudes, investigando e opinando dentro do altamente especializado mundo das finanças. A polícia dinamarquesa não tem treinamento? Transferência é assim, num estalar de dedos? Tio quer fugir em jatinho particular e ilude a polícia no trânsito a caminho do aeroporto. Polícia desespera. Não tem celular e agentes da polícia federal no aeroporto pra barrar essa maldita aeronave? Até no Burundi deve ter, roteiristas, assim fica difícil defender. Será que na reservada Escandinávia um colega de trabalho de pouco mais de uma semana já vai morar na casa do outro porque a esposa chifrou? Acho que até no nosso falacioso Brasil cordial isso é improvável.
Se há indivíduos que passam o tempo observando e anotando a numeração de trens, deve haver quem preencha o tempo pegando furos de roteiro. Berdrag é uma peneira. Isso a coloca na categoria soap financeira. É legal, mas é caca.
No fim das contas, a personagem mais interessante é o sueco barbudo, que merecia um Nordic Noir só dele pra o conhecermos melhor. E não é que ele é Claes Ljungmark, meu amado Viggo Norlander, de Arne Dahl?!
A segunda temporada, também de 2016, atendeu meus desejos e aprendemos até o nome do sueco, lá pela reta final da dezena de capítulos.
Um ano e meio após o escândalo da Energreen, a divisão de crimes financeiros depara-se com fusão bancária, que esconde plano bem mais diabolicamente ambicioso. Bedrag mais over do que antes em todos os aspectos: mais violenta; a história financeira é ainda mais mirabolante e a motivação por trás da maquiavelice toda é digna de roteiro de soap. Por ser mais exagerada – dentro da moderação dinamarquesa, assista pra entender – é mais divertida que a primeira.

Exceto por Claudia Moreno, as demais personagens não nos apresentam novas facetas. O Sueco continua mal pra diabo; Nicky vai se envolvendo tanto com a violência do chão de fábrica pros capitalistas banqueiros que desencadeia uma bola de neve de tragédias pessoais; Mads está há mais de um ano naquela divisão superespecializada e apresenta o mesmo nível de expertise da temporada inicial. Ou seja, quem curte incongruências roteirísticas, siga Follow The Money.  

Já que citei Claes Ljungmark, não sacanearei outro amado, o dinamarquês Waage Sandø, esquecendo-o. O Kaj Holger, de Kroniken, está ótimo como o vilão capitalista Knud Christiensen, com seu estapafúrdio motivo pra destruir a economia de seu país.
Pelo jeito do final, que meritocraticamente premia e pune cada personagem, não deverá haver terceira temporada, porque não sobraram fios soltos.
Se há alguma “lição” a se extrair de Bedrag, é a de que não existe capitalismo bozninho.

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