NOVOS PAIS, NOVA ÉTICA PARENTAL...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Para o cronista, abordar datas que se repetem na rotina
dos calendários implica achar atalhos originais, esforço para não ser maçante
ou repetitivo. Dizer algo que certifique a comemoração, mas que, ao mesmo tempo
acrescente algo, demanda cuidados. Uma das demandas remete às celebrações em
datas redondas como 10, 20, 25, 30, 50, 75, 100 anos... Como se fossem apelos
emocionais obrigatórios, a retomada de certos eventos se presta a cultos que
tanto servem para reafirmar como evidenciar equívocos. Em um ou outro ponto, os
aniversários se justificam para solidificar laços pessoais, de grupos,
religiosos ou civis, com vocação coletiva. Muito das construções identitárias ou
de comunidades se rende a tais rituais. Importante marca dessas cerimônias se
expressa pelo esforço de quebra de rotinas na essencialização de fatos. Tudo
como se houvesse permissão para que acontecimentos do cotidiano se firmassem
como fora da curva rotineira. Talvez, o mais expressivo exemplo disso seja o “dia
das mães”. O cotidiano materno, por certo e como tantas outras exaltações
natalícias, se opera no dia a dia, mas a definição de uma data “específica” ratifica
e sublima o mito desse afeto inigualável. Por certo, o comercio se beneficia
disso, e de igual monta se percebem cultos religiosos exaltando tradições,
algumas inventadas recentemente.
Ainda que se pense que, por exemplo, o amor materno seja
inquestionável e irrestrito, eterno e universal, sabe-se que sua invenção é bem
mais recente. Aliás, convém lembrar que como qualquer sentimento, o amor – em
todas as suas formas – não responde a posturas inatas ou manifestações
determinadas biologicamente. Os sentimentos também têm histórias e são
suscetíveis a condicionamentos culturais, segundo lapsos de tempo e
circunstâncias espaciais. Uma autora importante pela valentia, Elizabeth
Badinter, por exemplo, escreveu um livro polêmico, daqueles que queimam mentes
de leitores, questionando o “mito do amor materno”. Lembrando que houve épocas,
recentes mesmos, em que as crianças depois de nascidas eram legadas às criadas
e retornavam aos seus lares com cinco anos de idade, tudo se tona explicativo
de culturas e épocas. A noção de família, na realidade, começou a mudar com a
caracterização da burguesia, a partir do século XIX.
Valendo-me do mesmo mote, fico imaginando o significado
interno de reflexões sobre a paternidade. Por certo, os livros religiosos e
toda a literatura de um período, bem como a história, se rendem a releituras e
interpretações. No caso do cristianismo, a redefinição do papel familiar
implicou a noção de Sagrada Família para servir de norma forjadora de padrões
úteis depois da revolução industrial. A mãe, modelada pela Virgem Maria, seria
sinônimo de afeto invariável, comum a todas as mulheres. São José, o bom senhor
que serviu de pai, representaria o provedor, homem zeloso pela honra da mulher
e sustento da casa. O filho – leia-se também no plural, “os filhos” – selaria a
unidade que, afinal, é a base de qualquer sociedade moderna e unidade econômica.
Frente à precariedade de estudos históricos que insistam na desconstrução de
pressupostos fixos, persiste a resistência de valores assumidos como
inquestionáveis ou dogmáticos. Valeriam aprofundamentos históricos na questão, mas,
mesmo que à flor d’água, é oportuno colocar alguns pontos que se mostram
pertinentes a responder sobre o sentido da paternidade hoje.
Em vez de simplesmente retocar os mesmos denodos
exaltativos da paternidade, cabe inscrever alguns pontos fundamentais. Nos dias
atuais, frente a emersão transformadora do papel da mulher na sociedade, como
ficam os papeis paternos? Não apenas considerando os avanços femininos e a
decolagem feminista, mas levando-se em conta a relativização do papel do
casamento, qual o peso das tradições patriarcais que, queiramos ou não, ainda
desafiam um padrão de masculinidade? E a chamada revolução sexual, com a
flexibilização do binarismo homem/mulher teria algum impacto no perfil
paternal? Pensemos, a guisa de provocação, nos casais homoafetivos e nas
aberturas legais para adoções. Será que o que se comemora como “dia dos pais”
agora, encerra o mesmo teor do passado recente? Ou que devamos aceitar o
feminino também cabível como paterno? Tenho amigas casadas, lésbicas, e em um desses
casos, um componente da unidade familiar quer festa e presente dos filhos, há
como não respeitar?
Parece questionável também
pensar no significado da coleção de mudanças na educação dada ou permeada pelos
pais. Suponhamos diálogos de pais e filhos sobre as orientações sexuais em
geral. Ou sobre o uso de drogas. Que tal falar de aborto com os filhos? Ou de
relações abertas? Sem uma nova ética, atualizadora de diálogos, não há como se
pensar na paternidade além das festinhas e presentinhos tolos. Ser pai hoje
requer capacidade de negociação e valentia na discussão de papeis e funções
domésticas. Talvez, portanto, o melhor presente que se possa pensar para os
pais modernos seja a veiculação de uma nova ética. Feliz dia dos pais a quantos
se dispuserem a pensar nos filhos sob os padrões de hoje.
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