BYE, BYE BRASIL...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Eu queria. Juro que queria
muito escrever sobre coisas leves, flanar em torno de amenidades. Ah, como
seria bom falar de superação da crise, contar histórias afetivas, relatar casos
com finais felizes. Era tudo que gostaria, mas... Mas, não dá para calar diante
de certas situações que são mais do que diagnósticas. Voltar ao Brasil depois
de longa viagem, inexoravelmente, implica processo de readequação. É como se
perder novamente em um labirinto que se pensava sinalizado com indicativas de
saídas. Difícil, mas essa constatação derrota o acalanto de ilusões positivas,
cabíveis em retornos. Ao contrário de tantos amigos queridos, sinceramente, não
estou vendo a almejada “luz no fim do túnel”. Logo eu que me achava um
esperançoso empedernido. E tenho minhas razões. Ao me encaminhar para o
embarque em Beirute, assisti (outra vez) a uma cena que me fez descer ao
inferno da cidadania: mais uma brasileira sendo deportada. O aparato policial
era alarmante e até amedrontador, pois a embarcada era jovem, negra e estava
algemada. Os protocolos para essas situações são espetáculos, pois a
prisioneira é a última a chegar e a primeira a ser colocada dentro da aeronave.
Como as leis internacionais proíbem viagem sem liberdade de movimentos, um
funcionário da polícia acompanha a deportada, que se senta na última fila. Por
lógico, o constrangimento foi contagioso e, na medida das suposições, todos
queriam saber quem era, por que e quais os possíveis desdobramentos do caso.
Para mim, logo, ficou claro que se tratava de caso de prostituição. Acertei.
No esforço de equilíbrio, tentei me distrair
com outras preocupações, mas, sem sucesso algum. O que me ocorria era a nítida
lembrança de outro caso, presenciado no aeroporto de Madri há alguns anos. Ao
chegar então à Espanha, na passagem pelos guichês de controle de passaportes,
vi uma moça sendo impedida e, sob gritos de protestos, ser levada para uma sala
de averiguação. Soube depois que se tratava de mais uma “brasileira” suspeita.
A soma de histórias sobre “brasileiras e brasileiros que deixam o país” tem me
movido a registros que se multiplicam em entrevistas de história oral de vida.
Aprendi ao longo de mais de dez anos de gravações que há dois fatores
primordiais influenciando nas decisões. Um, primeiro, imediato e pessoal, diz
respeito a interesses ligados a busca de melhor lugar social e de novas chances.
E todos os limites da vivência brasileira se abraçam em justificativas: falta
de oportunidades, preconceitos, desilusões sociais. O segundo fator é mais
complexo, pois remete a uma negação cultural. Como se justificar deixando o tal
“país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”? Sim, preside um
conflito briguento entre o ter que sair e o mito encravado na memória coletiva
nacional e que preza um histórico de país que recebe (não exporta) gente. Pois
é, ainda pensamos que a generosidade divina nos deu solo fértil, sem
cataclismos, com paisagens invejosas e um povo incruento e cordato. Tudo, é
claro, temperado com um sambinha, boa cachaça, comida saborosa e futebol.
Todo turista atrevido se autoriza um pouco
antropólogo. Não fujo à essa regra, mas adiciono ao meu olhar o cuidado em
ouvir os outros, e, no caso a gravar a versão dos evadidos. É fácil se
apaixonar por histórias de vidas de pessoas que, quase sempre, se colocam em
situação de risco. Isso, porém não é tudo, pois na troca da aventura pura e
simples, dilemas subjetivos se colocam. Como equilibrar a desilusão imediata
frente à quebra do poderoso mito do Paraíso Tropical? Como trabalhar com a
exclusão social, tendo em mira o dramático amor à pátria, às nossas coisas e
gente?
Filtradas centenas de
histórias, a maioria colhida no “exílio”, mantida a percepção das deportações e
ciente dos consequentes efeitos diplomáticos entre o país que expulsa e o que
compulsoriamente recebe de volta seus “expatriados”, é possível entender a
precariedade historiográfica que temos. Encarando os temas “brasileiros fora do
Brasil” e “prostituição brasileira no exterior”, ainda que se salvem alguns
poucos bons estudos, o que se nota é um vazio assustador. O vácuo
acadêmico/temático afeito a tais fenômenos, lega o assunto a “caso de polícia”
ou ao “direito internacional”. Sempre criminalizados, os evadidos ficam a
margem dos critérios analíticos comuns. Sobras. Silêncio. Alienação geral. Por
lógico há conveniências em tais posturas: o ingresso de divisas advindas desses
brasileiros se apoia na conveniência governamental que não consegue abrir
frentes de trabalhos para pessoas que, prioritariamente, se situam entre 20 e
40 anos. E quantos somos fora do corpo nacional? Quatro ou cinco milhões de
pessoas? Como saber?
O avesso deste processo todo é ainda mais perturbador.
Fontes do Itamaraty contabilizam, no presente, cerca de 2 mil brasileiros
detidos em prisões estrangeiras. A maioria está na Europa (1066) e responde por
três crimes prevalentes: prostituição ilegal, tráfico de drogas e furtos. Em diferentes
países da América Latina (774), estão ligados aos negócios com drogas e armas,
além do tráfico de pessoas. Nos Estados Unidos, temos cerca de 700 pessoas
prioritariamente presas por presença ilegal e tráfico de drogas. Em diferentes
países da Ásia estão encarcerados quase 300 brasileiros e brasileiras
envolvidos em prostituição e tráfico de drogas, isso inclusive em países
islâmicos onde a pena de morte é rigorosamente praticada. Na América Central,
Caribe, África, Oriente Médio e Oceania estão detidos mais ou menos outros 150
patrícios, presos por motivos combinados.
A simples constatação da persistência desse
problema convoca a uma indagação quase insuportável. Se os anos de 1980 foram
chamados de “década perdida”, estaríamos agora reeditando o mesmo processo? Sei
lá o que dizer, mas uma coisa é certa, faz eco o verso de Chico Buarque ao
dizer em uma passagem “Estou me sentindo tão só/ Oh! tenha dó de mim/ Pintou uma
chance legal/ um lance lá na capital/ Nem tem que ter ginasial/ Meu amor... Bye,bye
Brasil/ A última ficha caiu”.
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