Roberto Rillo Bíscaro
Falando sobre a excelente The Crown, John LIthgow
comentou que a Netflix dá liberdade total de criação, uma vez aprovada a ideia.
O ator narra que a companhia ofereceu suntuosa festa no início da produção e
outra igualmente espetacular ao fim. No intervalo, a equipe sequer via os
executivos. Considerando-se Marseille, série francesa que a Netflix liberou em
maio de 2016, talvez devessem reconsiderar essa política e ficar mais em cima.
Aquela história do olho do dono. Deixados soltos, os criadores Dan Franck,
Pascal Breton e Florent Siri, juntamente com o compositor Alexandre Desplat
deram contra-argumento na medida pra nós que já estávamos de saco cheio do tal
“padrão Netrflix” tola, cega e aprioristicamente aplicado pra qualquer coisa lá
produzida.
A mediterrânea Marselha está prestes a eleger seu novo
prefeito depois de 20 anos de gestão do cocainado e vasto Robert Taro (Gerard
Depardieu). Seu legado será um porto remodelado e um cassino, que supostamente
conteria as atividades ilegais da máfia exploradora do jogo. Os meliantes não
querem isso e são ajudados pelo pupilo de Tarot, Lucas Barres, que trai o
mentor espetacularmente ao fim do episódio um e lança-se a candidato a prefeito
contra Tarot. Porque ele se daria a todo o trabalho de concorrer a uma eleição
que pra ele já estava ganha é um dos muitos absurdos da trama, mas que o
espectador entenderá (?) numa melodramática reviravolta lá pelo capítulo 3.
Divulgada como a House Of Cards francesa, Marseille tenta seguir o padrão
ianque, mas só consegue ser engraçada ou meio chata. Aliás, essa história de
House Of Cards desse ou daquele local também já está saturando. Baron Blanc
também já foi anunciada como similar francófilo da saga dos Underwoods. Não me
prendeu o interesse e desisti no meio, assim como abandonei os Underwoods este
ano, devo comunicar. Que bomba de temporada, onde nada acontecia!
Voltando a Marseille...Com cenas brotando do nada,
diálogos tipo “você vai comer essa piranha?”, personagens secundários
totalmente desinteressantes, Marseille não chega a ser inassistível, mas pode
bem ser cartilha de barbeiragens a serem evitadas ou assistível precisamente
pra dar algumas risadas. A trilha incidental faz as de telenovela ou soaps parecem de série da BBC. Os
floreios musicais são tão intensos quanto os d’O Reino, mas a chave da série de
Lars Von Trier era paródica.
Se a ideia era fazer um Tarot Safadão, que merecia ser
derrubado por Barrés pra trazer novos ventos à cidade, falhou miseravelmente,
porque Lucas é tão desprezível que seria desperdício trocar Robert por ele. O
obeso Tarot tem seus defeitos, mas não é mafioso. De resto, todas as mazelas de
compra de votos e intimidação de eleitores pobres, nada novidadeiras pra nós.
Daria pra escrever uma dissertação de mestrado sobre as
falhas e fracassos de Marseille. Desde o racismo politicamente correto, que
coloca música árabe na abertura, mas nenhum dessa etnia em papeis positivos,
até a estereotipação pesada dos marginais (árabes e negros), que parecem
extraídos dalgum episódio desbotado de Miami Vice.
Quem quer série política
séria, prefira Borgen; quem quer soap
política bem feita, vá ver as temporadas anteriores de House Of Cards (ou a
versão britânica em sua concisa íntegra) ou Scandal, dependendo do grau de
telenovelização que esteja disposto a tolerar/admitir que curte. Quem quer rir,
escolha Marseille. Agora, se seu senso de humor não é excitado por defeitos
formais, eleja outra coisa.
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