Roberto Rillo
Bíscaro
Embora corramos
sempre o risco de exagero ou imprecisão, nesses tempos de overdose de fartura
de séries, é importante tentarmos rotular a qual subgênero cada produção
pertence, a fim de facilitar, pelo menos um pouco, a vida dos telespectadores.
Nem sempre é fácil, porque vivemos a época do pastiche e do crossover, mas pelo menos pode-se tentar
dar alguma noção ao consumidor, perdido em um turbilhão de produções.
Os seis capítulos
criticamente aclamados de Top Of The Lake (2013) são prioritariamente descritos
como série policial com elementos de drama feminista. Eu alteraria a ordem,
porque a produção neozelandesa é um poderoso drama-denúncia dos excessos
fálicos da sociedade patriarcal, que usa quase como desculpa uma investigação
policial. É preciso ter isso em mente antes de se decidir por assistir à produção,
que consta da grade da Netflix brasileira. Caso o expectador não se
neuro-programe pra aceitar que as convenções e velocidade do drama vêm
primeiro, pode achar Top Of The Lake bem monótono, porque há longas sessões que
não fazem a trama detetivesca caminhar um milímetro. Mmmm, mesmo depois de me
posicionar perante o subgênero, achei meio chatinho, embora esteticamente
bem-sucedida. Não, uma coisa não exclui a outra em meu universo emocional.
Nos confins
cenicamente belíssimos da Nova Zelândia, uma eurasiana de 12 anos aparece
grávida, pra em seguida desaparecer. Ela é filha dum coroa malvado e desonesto,
com meios-irmãos da pesada. Candidato a estuprador de vulnerável é o que não
falta na pequena Laketop, que afugenta qualquer desejo de viver no interior do
arquipélago; eita gente estranha! Se bem que jamais vemos a cidadezinha, atente
pra isso, é só natureza, acampamentos, cabanas isoladas. A natureza é
fundamental em Top Of The Lake e pra quem curte paisagens, já vale a
minissérie.
Quando Tui aparece
grávida, quem convenientemente está passando temporada no lugarejo é a detetive
Robin Griffin. Ela veio visitar a mãe moribunda e por isso tirou licença de seu
emprego em Sidney. Obcecada pelo calvário da menina abusada, Robin tem seus
próprios e pesados fantasmas envolvendo seu passado adolescente em
Laketop.
Produzida, escrita
e dirigida pela cineasta Jane Campion, Top Of The Lake encaixa-se em seu cânon
de denúncia dos abusos do macho. Até sua querida Holy Hunter está no elenco,
como mentora espiritual dum grupo de mulheres abusadas que monta acampamento
numa área conhecida como Paraíso. Cheia de afirmações-verdades e sentenciosas.
Acho tão sacal esse tipo de personagem...
O selo Campion
confere a Top Of The Lake direção segura de atores e produção esmerada, além de
clima de cinema independente, com sua galeria de gente disfuncional e ações de
esquisitice de butique. Tudo muito cabeça, simbólico, pertinente em sua
denúncia contra alguns grupos oprimidos (brancos ou eurasianos; neozelandeses
nativos não existem nessa natureza), mas, como policial, sinto muito, não dá. É
apenas desculpa do roteiro pra falar de outras coisas e querer transgredir
(embora um exame de “DNA ex machina” recue
a transgressão mais patente).
Robin Griffin não
age como protagonista quase nunca, a não ser nos 15 minutos finais, quando há
uma plot twist a partir de uma
epifania meio que do nada. Top Of The Lake serve pra mostrar como essa visita
ao local de nascimento funciona como catarse regenerativa pra detetive. É
preciso desconstruir pra construir. Eurasiana ou branca, mulher se ferra mais
no patriarcado. Essas coisas são legais em Top Of The Lake e não o suspense
policial ou as revelações sobre o sumiço de Tui. Até porque revelar a
homossexualidade duma personagem com cabelo super Limahl não surpreende nada,
né? Mmm, a não ser que você não seja 50tão e sequer suponha quem tenha sido o
vocalista do Kajagoogoo.
Lento, cheio de
distrações narrativas quanto à trama policial (e inverossimilhanças: como
alguém fica meses numa floresta gélida e permanece com aquele cabelo de
comercial de shampoo? Me deixaaaaaa!), Top Of The Lake é um drama feminista que
apenas reafirma a boa época pela qual passa a produção televisiva.
Mas, não sei se
terei saco pra prometida temporada dois.
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