Roberto Rillo Bíscaro
A emancipação feminina, de modo geral, processou-se de
forma mais rápida e radical na parte setentrional e protestante do continente
europeu. Países latinos e católicos, como a Espanha, chegaram mais tardiamente
à rinha da guerra dos sexos. A brutal e torpe ditadura franquista – que se
estendeu de 1939 a 1975 – complicou ainda mais o desequilíbrio entre os gêneros
no país ibérico.
Como a História não é rio comportado, que se movimente
exclusivamente pruma direção previsível, não significa que jamais na
experiência espanhola mulheres tenham tido protagonismo, antes do fim da
catástrofe franquista. Os 8 episódios da temporada inicial de Telefonistas –
série original da Netflix, estreada em abril – foram marqueteados como
feministas, soróricos, gênero-afirmativos, porque se passam no crepúsculo dos
anos 1920, quando a ainda superpatriarcal Madri se vê invadida por mulheres de
todas partes do reino, em busca de colocação nas centenas de postos abertos
pela inauguração da gigantesca companhia telefônica espanhola, a maior do
continente (segundo o roteiro).
É certo que a mulherada se joga no protagonismo, mas Las
Chicas del Cable está muito mais pra novelão latino do que produção feminista.
Não que isso seja defeito – pelo menos não pro que se propõe este blog – mas
sempre é bom tentar situar melhor as coisas. Será mesmo feminista uma série,
onde, como em qualquer bom folhetim, as meninas no fundo querem um maridão pra
chamar de seu? Tudo bem que Carlota explore sua bissexualidade, mas de resto
Telefonistas é dramalhão misturado com algum alívio cômico fornecido por Marga
e Pablo.
Tudo que amamos num bom folhetim está lá: amantes
desencontrados em estação de trem, identidade secreta, chantagem, cafetina
ajudando moça ameaçada por inspetor malvado, mal-entendidos, violência
doméstica. A dramaturgia de Telefonistas é veloz, os problemas aparecem e são
resolvidos sem aprofundamento, mas tudo permanece exatamente igual. Uma vez que
cada menina nos seja apresentada e aprendamos seu papel, a personagem não muda.
Por isso deixo a discussão feminista da propaganda pra estudiosos do tema; como
entretenimento Telefonistas é viciante é maratonável.
Sem poder deixar de notar
que o retrocesso franquista asfixiará a Espanha, o roteiro insere laivos
políticos como cor local na esmerada produção, que, ciente que seu público será
maior entre jovens mulheres, usa vestuário e adereços “de época”, mas na hora
da trilha-sonora opta por um monte de canções modernas, em inglês. Isso também
deveria despertar discussão: público diz amar produções de época “realistas” de
reality show, mas não guenta a experiência “completa” e amarela na hora da
trilha-sonora? Como a Netflix é “só” uma empresa de entretenimento que visa ao
lucro, entendi a escolha pra agradar a audiências mais vastas, mas é bem
esquisito ver pessoas vestidas e penteadas como há 80 anos ao som de trip hop.
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