segunda-feira, 4 de setembro de 2017

CAIXA DE MÚSICA 281


Roberto Rillo Bíscaro

Embora com o avançar dos anos muitos de nós nos tornemos menos rápidos/interessados em aceitar novidades ou modismos, existe a opção de não cair no casmurro discurso do “não se fazem mais... como antigamente”. Afeito a subgêneros como black music (especialmente cantada por mulheres) ou oitentismos em geral, priorizo em me inteirar dos lançamentos nessas áreas. Por isso, demoro pra saber de “novidades” tipo Foster The People: porque tô cavucando chãos de rock progressivo, por exemplo.
Amo de paixão o prog sinfônico setentista, mas não dá pra fechar os ouvidos pra produção contemporânea e ranhetar que “não tem mais prog como antigamente”. Tem como de hoje; tem como de antigamente com produção de hoje; tem porcaria, como antigamente e tem brilhante – em menor escala – como antes (e como hoje).
Nessa última categoria encaixa-se o Ingranaggi della Valle (IDV), fundado em Roma, no ano de 2010 e cuja primeira formação contava com Igor Leone (vocais), Mattia Liberati (teclados), Flavio Gonnellini (guitarra e violão), Marco Gennarini (violino) e Shanti Colucci (bateria).
Sua expertise chamou a atenção do selo Black Widow que os contratou e em 2013 saiu o LP conceitual de estreia, In Hoc Signo (Por Este Sinal), em alusão ao lema supostamente adotado pelo imperador romano Constantino. As 11 faixas são tour de force que mescla espetacularmente prog sinfônico com jazz rock, algo como alguma obscura gema ítala da década de 70 tocando com Jean Luc Ponty, porque o violino de Gennarini faz misérias.
Os dramáticos vocais em italiano tematizam sobre a primeira Cruzada, em um banho de instrumentação variada, de primeira, onde todos os músicos têm oportunidade de brilhar em mais de um momento, com especial destaque pra criativa bateria de Shanti Colucci. In Hoc Signo está lotado de boas ideias, mudanças no andamento, descargas de teclados e guitarras, intercalação de momentos sinfônicos com jazz-rock e em várias passagens perfeita simbiose entre os 2 subgêneros. Esse é um daqueles álbuns pra ouvir sempre e descobrir novidades, porque, sem exagero, nasceu clássico.
Por ser homogeneamente consistente e brilhante, não compensa destacar faixas, mas dá pra dizer que o inteiro de In Hoc Signo está contido na Introduzione e na seguinte, Cavalcata: após brevíssima vinheta acústica, o IDV solta os cavalos na exuberante cavalgada, que, em menos de 6 minutos, vai de galope sinfônico a jazz rock, parando em pastoralidades medievais e com cada jovem músico tocando como se sua vida dependesse disso. E dependiam mesmo, porque fãs sérios do jazz-rock e prog sinfônico dificilmente conseguem resistir a essa isca e são obrigados a ouvir o material com atenção.

Como se não bastasse a qualidade das composições e execução, a produção é antípoda da assepsia de muito prog contemporâneo. Mesmo mantendo a alta qualidade possibilitada pela atual tecnologia, o som tem bordas e alguma “sujeira” setentista. Enfim, irretocável, daqueles pra dar nota 10 e meio.

Quando o Ingranaggi Della Valle retornou, em 2016, parecia outra banda e em certo sentido o era. Antonio Coronato tocava baixo em tempo integral e Alessandro di Sciullo contribuía com guitarra, teclados e vocais. Igor Leone saíra e foi substituído por Davide Savarese, cujos vocais são bem menos dramáticos e em inglês pro segundo álbum, Warm Spaced Blue, inspirado pela atmosfera sobrenatural do escritor norte-americano H. P. Lovecraft. Talvez motivados pelo aspecto mais sombrio do tema, talvez desejosos de não adquirirem reputação de revivalistas de rock progressivo italiano (RPI é um subgênero próprio no planeta prog) sinfônico anos 70, o IDV abandonou o saudosismo e embarcou num som instigante, contemporâneo, bastante atento à paciente construção de ambientações, diluindo drasticamente seu jazz-rock em favor de um prog eclético, construído à base de detalhes, ruídos, não sem influência de bandas escandinavas como o Anglagard e o Anekdoten, ou conterrâneas como o Goblin. Não é à toa que músicos do Anglagard e do Goblin estejam no LP.
Em Warm Spaced Blue não há espaço pra virtuosismos de fogo de artifício, o que desagradará fãs do estilo do álbum de estreia. Embora faixas como Lada Niva provem que os italianos ainda sabem compor uma bela melodia, Call For Cthulhu: Through The Stars escancara o caráter experimental de trabalhar mais com texturas e Call For Cthulhu: Orison atesta a madureza de ir construindo o clima com paciência, bem diferente da afoiteza deliciosa de In Hoc Signo, que já soltava os cavalos em disparada espalhafatosa no primeiro segundo de canção.
Sem dúvida, Warm Spaced Blue situou o IDV na linha de frente do rock progressivo contemporâneo, por ter elevado o nível de expertise técnica e criativa e pelo simples fato de tamanha mudança de um trabalho a outro não nos deixar prever pronde seguirá a banda, embora o que tudo indica é que a trilha seja a da modernidade vanguardeira do segundo LP.
Falando em tom puramente pessoal, não posso esconder que apesar de achar Warm Spaced Blue de uma competência e criatividade ímpares, prefiro o fogo juvenil e espalhafatoso de In Hoc Signo, mas os leitores mais astutos já se deram conta de que minha preferência jaz no rock progressivo sinfônico.

Resta esperar o terceiro LP e ver o que rola. Por enquanto, ouçamos com atenção e repetidamente os 2 LPs do IDV, porque sempre há algo pra atentar.

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