Roberto Rillo
Bíscaro
Ano passado,
revistas online hipsters, como Pitchfork e Consequence of Sound entoaram loas à
Jamila Woods, cujo LP de estreia apareceu na lista de melhores das também
descolados Spin e Pop Matters. Em se tratando duma cantora de Neo Soul/R’n’B
isso incendiou minha curiosidade, afinal sou meio metido a hipster, de vez em quando. Ouvi alguma coisa de HEAVN, no
SoundCloud e enlouqueci quando vi o vídeo de Blk Girl Soldier – que voz, que
letra, que arranjo! Mas, se passaram muitos meses até que finalmente consegui
botar os ouvidos em HEAVN, inteirinho, pra ouvir no fone de ouvido, prestando
bem atenção.
Jamila Woods é
atuante poeta, cantora e agitadora cultural independente – pelo menos era na
época do lançamento de HEAVN, em julho de 2016 – de Chicago, metrópole que
ganha mais destaque pela criminalidade e pelo vento, do que pela potencialidade
de seus artistas e sua beleza. Não poucos norte-americanos, a chamam de “New
York without an atitude”. Woods quis traçar panorama identitário da
afrodescendência e também prestigiar os músicos de sua cidade. Conseguiu ambos
objetivos e mais.
Apesar de
multiproduzido e com referências caleidoscópicas - hip hop, trap, quase
qualquer sub-estilo de soul/R’n’B, jazz, folk, indie pop são as mais evidentes
– HEAVN é de consistência sônica e de qualidade de impressionar. As 13 faixas
são excelentes, assim, compensa mais comentar o disco no atacado e não no
varejo, até porque em termos estilísticos, as influências estão moídas e os
farelos recombinados pra moldar um som moderno, descolado e elegante pra
chuchu.
Quem entende
inglês ganhará um “plus à mais”, porque as letras são sacadas poéticas sobre
violência policial; aceitação da negritude; fetichização da negra como objeto
animalesco de sexualidade; problema em aceitar a própria pele, clareando;
timidez como forma de ficar longe de problemas, porque implica não
envolvimento. Mas, também há a linda letra sobre memória, de Breadcrumbs – as
migalhas de pão pedidas como marcador do caminho – onde ela canta que a avó
amava seu avô, mesmo quando este já não mais se recordava quem era sua família.
O político e o pessoal intercalando-se em letras que jamais dão a sensação de
“aulas”.
Mas, como dito,
isso seria adendo, porque se você não manja inglês, a belezura das canções e da
doce voz de Jamila bastarão mais do que demais. Doçura, sim, porque apesar de
toda constatação da opressão experienciada até hoje pelos afrodescendentes,
HEAVN jamais escolhe o tom da raiva traduzida em vocais duros ou arranjos
ásperos. É tudo bem melódico e leve. Também não há ódio ao reverso, isto é,
claro que os brancos têm sido responsáveis por séculos de injustiças, mas Woods
não hesita em pinçar o que presta dessa cultura. A própria faixa-título cita e
brinca com a letra e melodia de Just Like Heaven, do branquelo inglês The Cure.
Jamila Woods e
seus colegas artistas de Chicago lapidaram um álbum antenado, acessível, lindo,
ativista, esperançoso, sensível, invejável.
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