segunda-feira, 25 de setembro de 2017

CAIXA DE MÚSICA 284


Roberto Rillo Bíscaro

Álbuns de regravações são perigosos, porque sempre há comparação com o material original. Além disso, fãs podem desejar coisa inédita de seu artista favorito e não sua maneira de interpretar o trabalho de outrem. Por outro lado, admiradores também podem estar doidos de vontade pra constatar como seus ídolos “melhoram” qualquer coisa já gravada, mesmo que tenha status de clássico.
Com relação ao repertório, há a questão do que escolher: a enésima versão quase igual de Yesterday, Body And Soul ou Show a Little Tenderness ou radicalmente alterar o original? Ou pinçar lados B e gemas escondidas? Escolher o cânon sempre despertará alguma ira, mantendo-se fiel ao original ou não. Pegar material menos conhecido pode conferir estatuto de garimpeiro cult, mas corre-se o risco de a crítica achar que o regravado é material inferior não merecedor de ser trazido à luz.
Maysa Leak aparentemente é tão segura de seus dotes, que não se importa em lançar álbuns de covers. Em 2006, regravou pérolas em Sweet Classic Soul, onde não teve medo de pegar material tão idiossincrático como Betcha By Golly Wow, dos Stylistics. Dia 26 de maio deste ano, voltou com nova coleção de reinterpretações no álbum Love Is a Battlefield. Ao longo de 11 canções, a eterna melhor vocalista do Incognito, faz um pouquinho de cada coisa descrita no início deste texto e, pra variar, se sai bem.  
Ela se mantém bastante fiel aos originais noventistas de Can We Talk e Things We All Do For Love (alguém lembra da tentativa da filha de Marvin Gaye, Nona, de virar cantora? Ela comia rosas no clipe, oh Lord...). Ela pinça delícias infelizmente quase esquecidas, como Inside Out, do Odissey, único momento balanço do álbum. Ela pega o sucesso 70’s de Nathalie Cole, Inseparable, e, sem se distanciar muito do original, ressalta seu aspecto jazz e oitentiza-o, caprichando no saxofone.
Ela reconstrói, como na faixa-título, originalmente um rock oitentista de Pat Benatar, que Maysa transforma numa soul ballad, agradando os compositores, que afirmaram que a canção fora planejada pra ser lenta. Virou a versão predileta, porque nunca achei graça em Benatar. O caso da repaginação do hit dubstep de Justin Bieber, As Long You Love Me, já não funciona tão bem, porque a composição não tem a força necessária. Maysa se esforça, solta a voz de veludo cotelê, o arranjo cria climão, mas falta consistência e profundidade. Compare com a gloriosa Mr. Dream Merchant, resgatada do cancioneiro esquecido do Phily Soul. Quando a melodia é boa, já é meio caminho pro intérprete e uma profissional do calibre de Maysa nada de braçada. A coisa mais linda de Love Is a Battlefield. Mas não posso deixar de confessar, que dá uma vontade danada de que entre negão com voz em falsete gritando, gritando, gritando, como na versão do New Birth, na primeira metade dos 70’s! Claro que o leitor deve aprender que numa de minhas versões do Paraíso há um coro instrumentado de anjos negros e um branco, que tocam Phily Soul e Yes eternamente.
Apesar de um par de coisas meio sem sal, Love Is a Battlefield agradará em cheio às almas românticas amantes de smooth jazz, quiet storm, urban jazz e soul, enfim, que curtiam ouvir FM dos anos 70 a 90. 

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