A AMAZÔNIA (AINDA) É NOSSA!?... DILEMA OU PROBLEMA?
Sabe-se que há uma diferença crucial entre dois conceitos que,
vulgarmente, se confundem: “problema” e “dilema”. Problema tem solução, por
difícil que seja. Dilema, por sua vez, se multiplica em descaminhos e aponta
para labirintos sem saídas. Foi pensando nessas variações, ditadas aliás, pelo
jornalista e dramaturgo romeno Matéi Visniec, que coloquei em prisma o atual
caso envolvendo a Amazônia Brasileira e nele as propostas de sua utilização temerária. E por falar em governo Temer,
é bom lembrar que uma das estratégias mais praticadas pela gestão corrente
consiste em disparar uma espécie de bomba noticiosa, sempre de efeito
espetaculoso, e depois, do aguardo da reação do público, retomar o projeto para,
por fim, refazê-lo conforme suas intenções iniciais, exatamente na medida dos conteúdos
planejados. Essa artimanha responde, em primeiro lugar, a interesses hegemônicos
e grupais, privativistas, camuflados, endereçados a negócios com megaempresas,
aquelas que favorecem propinas bem fartas. Isso tem acontecido rotineiramente
com o atual governo que, depois de incendiar os noticiários, “cede”, refaz a
proposta, e promulga os desmandos em nome do diálogo aberto e franco. Em
relação ao recente decreto acabando com a Reserva Nacional de Cobre e
Associados (Renca), publicado no último dia 23 de agosto pelo gabinete presidencial,
repetiu-se a mesma lenga: soltaram o rojão, esperou-se o estouro da pólvora, e
saíram à cata da vara entreguista. Tudo segundo uma festança calhorda.
De toda forma, parte da população instigada pelo descalabro do
decreto presidencial produziu repercussão maior do que se esperava. Corroborou
para isso o eco contrário ao script governamental resultante, em parte, dos
desastrosos efeitos da recente visita presidencial à Rússia e Noruega.
Lembremos, à guisa de passagem, o semblante do nosso mais alto mandatário que
engoliu “na cara”, críticas pesadíssimas, exatamente sobre o tratamento dado às
nossas florestas. Frente à fartura de objeções da sociedade civil, como seria previsível,
o governo “atencioso” revogou o primeiro decreto e,
acolhendo o clamor público e a voz dos ambientalistas, promulgou “novo” decreto
que, contudo, em pouco supera o anterior, insistindo na extinção da reserva,
deixando a área aberta à mineração empresarial. Como se comportasse grandes
mudanças, o novo documento especifica num detalhado “ponto a ponto” os supostos
critérios para a preservação ambiental. Uma das pérolas do documento diz, por
exemplo, que não é dado haver exploração mineral em unidades indígenas, como,
diga-se, reza a Constituição. Aliás, é cabível lembrar que cabe exclusivamente
ao Congresso Nacional
“autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos
hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais”. Mesmo assim, os
palacianos definiram, em nome da modernidade, regras para a execução da maior
ofensiva contra a floresta desde a não menos desastrosa interferência dos
militares.
Tudo apavora nessa medida temerárea,
a começar pelo tamanho da área indicada: cerca de 47 mil quilômetros quadrados estão liberados para extração de
ouro e outros minerais e pedras nobres. Segundo ambientalistas, essa extensão é
maior que a Dinamarca, tem o tamanho equivalente ao do estado do Espírito
Santo, ou oito vezes a dimensão do Distrito Federal. A completar o descalabro,
vale lembrar danos inevitáveis para o mais importante conjunto de florestas
tropicais do mundo: Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque; Florestas
Estaduais do Paru e do Amapá; Floresta Nacional do Amapá; Reserva Biológica de
Maicuru; Estação Ecológica do Jari; Reserva Extrativista Rio Cajari, e a
Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru. E o que dizer das
populações que vivem em tais espaços com suas culturas integradas ao
ecossistema? E as terras indígenas demarcadas, como ficarão?
Ao longo da história, a Amazônia tem sido conhecida por dualidades
extremas. De um lado, como “pulmão da humanidade”, uma espécie de “jardim
botânico da humanidade”, que mesmo sendo a maior e mais importante floresta do
planeta padece da ineficácia de projetos políticos contextualizadores. Sem ação
inteligente, a área mantém-se aberta a ataques, é abatida, diminuída,
incendiada, saqueada de todas as formas vis, e, portanto, vítima de medidas
sempre alheias ao significado real de seu papel em qualquer escala. Ao mesmo
tempo, causa espécie o desequilíbrio entre a atenção estrangeira e a nacional.
Enquanto “lá fora”, atualmente estudiosos, ambientalistas, artistas, ativistas
e militantes da preservação da natureza esbravejam em favor dos cuidados com
nossas matas, entre nós, afora honrosos nomes de destaque e bravas instituições
de defesa, pouco tem sido feito. Por certo, na era das redes sociais, isso
tende a mudar, mas desde Euclides da Cunha, para o bem, quase nada tem se
alterado em termos de um programa de atenção nacional.
Na outra ponta das loas românticas, por incrível que pareça ainda
presidem mitos que mostram a impossibilidade de controle da formidável região
também denominada “inferno verde”. Como território traiçoeiro, inconquistável,
selvagem e indomado, toda a extensa área se situa numa espécie de redoma inatingível.
Exatamente porque não a contemplamos com olhos atentos para um diagnóstico
desejável, científico, alguns pensam que a solução está na perpetuação da
intocabilidade daquele ecossistema. Sim, na memória coletiva prevalece o
pressuposto que apregoa o paradoxo do isolamento como política, e assim se
perpetuam bordões alienantes que dizem ser melhor não tocar, supondo que
preservar é deixar como está. Como respostas, na intermitência de governos mais
ou menos democráticos, tem-se as sempre desastrosas investidas que,
ironicamente, apostam na integração – como se a floresta não fosse parte do
nosso corpo geográfico e político. Tratando a Amazônia como separada do
circuito do progresso, muitos almejam costurá-la nos programas nacionais,
transformando sua natureza florestal em “terras produtivas”. Faca de gumes fatais,
tanto o isolamento dito preservacionista como as supostas políticas integracionistas
são equivocadas. No primeiro caso, deixa-se tudo legado ao banditismo, aos
saques e desmandos, à sanha dos madeireiros e mineradores, garimpeiros e
pecuaristas. No segundo, obedecendo as leis que colocam o progresso econômico imediato
em primeiro lugar, pensa-se integrá-lo por meio de multiplicação de empresas de
exploração mineral.
Tudo se iniciou, diga-se, com a proposta de Juscelino que programou a
Belém-Brasília em 1959, mas nada se compara à façanha desdobrada pela ditadura
militar. Sob o slogan (ah! Os slogans da ditadura!) “integrar para não entregar”
e “exportar é o que importa” – lembrando que à época propalavam-se ameaças de
invasões estrangeiras – tornava-se imperioso fazer com que aquele pedaço de
terra florestal se comunicasse com o resto do país. Assim foi, por exemplo, que
se iniciou a interminável aventura da estrada que sintomaticamente leva o nome
Transamazônica, segundo o sonho de Mario Andreazza. Estava dada a largada às
ações das grandes empreiteiras, exatamente essas que abriram as torneiras da
corrupção. Segundo os ideais governantes, a estrada ligaria as entranhas do
interior do Norte às áreas de escoamento e até às demais regiões do país. No
mesmo projeto, aliás, se explicam as inacabadas: Cuiabá-Santarém; Cuiabá-Porto
Velho; Perimetral Norte; Porto Velho-Boa Vista, entre outras, em cujas margens
rasgadas haveriam de se abrir férteis fazendas e pastos, cidades e polos de
desenvolvimento, tudo anulando os “espaços vazios”. Cirne Lima, ministro da Agricultura no governo Médici, em 1969, pensando nos devaneios dessas
investidas criou a expressão “conquista da selva”. Essa herança maldita foi
mais ou menos deixada de lado nos governos que evoluiram para a debil
democracia que vivenciamos. Agora, contudo, novamente se refaz o projeto
autoritário que nos ameaça sem piedade. Frente a isso, inevitavelmente cabe a
pergunta: a Amazônia é um problema ou não passa de dilema? Tenhamos urgência
nas respostas, pois o que está em jogo é a soberania nacional e o dever
participação de cada um de nós.
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