CAIPIRA: SER
OU NÃO SER...
José Carlos Sebe Bom
Meihy
Pois é!...
de repente estive implicado em uma polêmica danada. Antes de historiar o caso,
deixem-me evocar razões que explicam o contexto. Participo de uma rede social
com amigos, colegas, parceiros de minha geração. Trata-se de uma rede com o
precioso nome “Taubatherium”, que se
tornou ponto de reencontro que reúne cerca de 70 (ex-)jovens, pessoas que
viveram seus dias de mocidade no interior do estado de São Paulo, na
aconchegante, mas complexa cidade que, afinal, como diria Olavo Bilac, é um mezzo del camin. Situada entre as ondas
da orla “ubatubana” e curvas serranas que determinam um vale; entre a capital
São Paulo e a fronteira com o estado do Rio de Janeiro, está a comunidade que é
reverenciada como nossa eterna capital sentimental, paraíso achado na memória
de um recorte geracional. É óbvio que o poeta no soneto precioso que evoca o
meio do caminho, entre o nascimento e a ameaça da morte, se referia ao tempo
tramitado da juventude à velhice, das lembranças idílicas ao triste declínio
etário. Junto aqui as duas coisas: o ponto médio geográfico e a passagem dos
anos apontados para a fatalidade do futuro inexorável. E acrescento um fermento
quase filosófico: quem somos?
Faz parte do
sistema identitário de qualquer taubateano um dúbio sentimento que tramita
entre o orgulho e a vergonha. Ser taubateano centraliza um dilema ampliado que
Shakespeare teatralizaria como “ser ou não ser caipira”. O tema guarda
complicações capazes de fomentar tratados, pois tanto pode ser positivo, motivo
de orgulho, como pode humilhar interlocutores. É verdade que experimentamos em
escala maior a mesma ambiguidade ao deparar com conversas em que nós mesmos, na
intimidade de grupos, falamos mal do Brasil, mas se a referência resulta de
estrangeiro, viramos o mais empedernido defensor da pátria amada, mãe gentil.
Com ímpeto aproximado dessa polarização, se reage frente ao termo “caipira”.
Diria que dois taubateanos deram a medida da discussão paroquial. Em uma ponta,
Monteiro Lobato chamou os habitantes do entorno de “piolhos da serra”, seres
decadentes que não cantam, não lavram, doentes, parasitas que viveriam de
cócoras. O termo se alastrou e ganhou brilho na medida em que Lobato se tornava
personalidade pública e é, até hoje, um dos dez autores mais conhecidos da
nossa literatura. Na outra ponta, temos o bardo Renato Teixeira, que assumiu –
para gaudio geral – Taubaté com sua sede sentimental. Ao dizer na antológica
Romaria “sou caipira pirapora” e saudar Nossa Senhora como padroeira, fica
exibida a resposta aos detratores. E convém lembrar que Romaria é uma das dez
músicas mais conhecidas do nosso farto repertório.
Para quem
está de fora, este é um debate que pode ser aquilatado como complementar, sem
maiores consequências, mas, filtrado pela rede social de meus conterrâneos,
virou debate candente, ponto de honra. Cá e lá, entre milhares de outros temas,
volta a questão da “caipiridade”. Ainda que discretamente, acompanho com
atenção os temas filtrados por opiniões diversas. Foi assim que, na semana
passada “rolou” uma conversa sobre o assunto. Eu estava em Curitiba, onde havia
ido para encontros acadêmicos. Ocorreu-me perguntar sobre a amplitude do termo
caipira. Instigado por outros participantes do grupo, resolvi tirar uma prova
do caso. Em reunião com cerca de cem alunos universitários, antes de minha
apresentação, perguntei para a plateia: seria aplicável ao estado do Paraná o termo
caipira? A plateia foi unanime ao levantar braços. Em seguida perguntei se
alguém se sentia caipira e... e... e, ninguém se assumiu. Estava, então, dado o
sinal de largada para mais um mergulho identitário: que raio de pertença temos?
Caipira é o outro, sempre? E o pessoal de Taubaté, tem que se definir caipira e
ostentar sua condição? Não seria um jeito enfrentar o mundo e exibir vigor no
conteúdo da expressão? Pronto, está colocado o caso a um aprofundamento
convidativo, a necessária vocação conceitual da cultura caipira. É claro que
muitos autores importantes já trabalharam na caracterização do tema, mas falta
ainda quem (re)coloque a questão a partir do ponto de vista local. Visto assim,
pergunta-se do significado das instituições de ensino e pesquisas que se situam
em uma cidade que tem duas universidades, além de faculdades isoladas e muita
gente falando sobre a matéria. Mas também, e de forma peremptória, indaga-se da
comunidade em geral, pois, recobrando Bilac, é preciso determinar qual nosso
lugar no meio desse caminho.
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