Roberto Rillo Bíscaro
Concluindo o comentário sobre as 2 temporadas primeiras
de Bron/Broen, afirmei que não perderia tempo vendo a releitura anglo-francesa
(The Tunnel), porque ela não conseguiria “replicar o intoxicantemente sublime”.
Como sou meio mentiroso e tenho crises de abstinência mastodônticas, não
resisti e testei-a há alguns meses. Não passei do segundo capítulo: não fui com
a cara do elenco (bom, mas Saga e Martin são como marca de cigarro pra fumante;
outra não tem o mesmo sabor, por isso, não satisfaz) e decidi que não
compensava o trabalho de ler legenda, quando se falava em francês.
Há algumas semanas, nova crise de abstinência e a
comodidade de a versão norte-americana estar na Netflix brasileira fizeram-me
tentar The Bridge, cujas 2 temporadas foram ao ar pela FX, entre 2013 e 14.
Justifiquei o salto no escuro até didaticamente: daria pra treinar inglês e
espanhol num show só; olha que
prático e proveitoso. E deu mesmo, pelo menos na primeira temporada.
The Bridge usa a premissa do original sueco: um corpo
dividido em 2 é encontrado na ponte que liga El Paso a Juaréz e logo se
descobre que metade pertence a um mexicano, metade a um norte-americano. Isso
justifica que a detetive ianque meio autista Sonya Cross e o mexicano bonachão Marco
Ruiz trabalhem juntos pra resolver essa ode sangrenta à monogamia (e o original
é da “liberada” TV sueca, não do Vaticano ou da evangélica Record...).
A fronteira entre EUA e México fervilha de diferenças e
possibilidades de assuntos em nível pessoal, político, econômico, social, cultural,
enfim, muito mais diversa do que a fronteira Suécia-Dinamarca, embora países
escandinavos estejam longe de serem iguais (o fato do sátiro ser o dinamarquês
Martin na produção sueca é acerto de contas simbólico na perene batalha
cultural entre as 2 nações). The Bridge não perde as oportunidades e na versão
da FX temos imigração ilegal, carteis de narcotraficantes, até com subtramas
inexistentes no original. Até aí nada demais, o problema é que vemos muito da
violência, pobreza, corrupção e “atraso” apenas do lado mexicano, como se a
terra do Trump fosse idílio que sofre com a violência e invasão do sul. Mas
quem compra a droga em massa é playboyzinho, playboyzinha, playtiozinho e
playtiaizinha ianque, né? Não que o show jamais reconheça isso, mas basta
atentar pro que é mostrado no lado de El Paso e o que é no lado de Juarez e
você entenderá a diferença de ênfase.
Por ser feita primeiro pro público norte-americano, The
Bridge deve ter querido mostrar mais a alteridade pobre dos desafortunados
estrangeiros. Certamente pro mais europeu norte, a explosão de tons fortes,
calor e deserto do sul do Texas/norte do México pareça “exótica” e essa
estranheza The Bridge capta bem, mas qual programa passado no sul não tem as
mesmas imagens de deserto, com aquela guitarrinha blues? Aqui aproveito pra dar
opinião desavergonhadamente subjetiva, já que isso é blog e não site imparcial
(hahahaha) de crítica: acho um saco esse visual True Detective, Breaking Bad ou
sei lá que raio, que na verdade remonta há décadas: gostei e maratonei The
Bridge, mas a ambientação gélida e o tom insistentemente depressivo de
Bron/Broen dão de zilhões a zero.
Apesar disso e embora Sonya não faça sombra à
representação do possível Asperger, como sua original sueca, a temporada 1 é
bem boa, prende a atenção, Demián Bichir é muito bom, assim como sua colega
Diane Kruger. Passei logo pra segunda, curioso pra ver se seguiriam a trama de
Bron/Broen, que envolve bio e ecoterrorismo. Na fronteira México-EUA, pensei,
como?
Os produtores devem ter se perguntado o mesmo e a série
começou a seguir caminho próprio, mantendo similaridade com a sueca apenas na
subtrama dos demônios pessoais de Marcos. O foco dessa fase seria um
assassinato em série de centenas de garotas e um túnel usado pra tráfico de
pessoas/narcóticos. Que sono! Mais do mesmo de tantas outras produções. Aí sim
o chavão da representação do sul com fundo musical de guitarrinha de blues
pegou pesado e desisti no terceiro capítulo, acho, sem sequer terminá-lo. A
Wikipedia conta que 42% do público televisivo fez o mesmo, quando da exibição
pelo FX, levando ao cancelamento da série. Nota: Bron/Broen vai pra sua quarta
temporada, enquanto sua cópias foram todas canceladas.
The Bridge funcionou apenas
enquanto não se distanciou muito da grande estória do original original
(repetição proposital). Os assinantes da Netflix deveriam exigir que a empresa
comprasse os direitos de Bron/Broen pro Brasil, assim como detém os da cópia
semi-bem-feita.
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