quinta-feira, 14 de setembro de 2017

TELONA QUENTE 202


Roberto Rillo Bíscaro

Não faz muito, declarei meu apreço por filmes de suspense espanhol com tramas exageradas. Na imprensa de lá, é comum a complexo de vira-lata com gente detonando as produções, mas elas geralmente me divertem deveras e isso me basta. Não foi o caso com O Guardião Invisível (2017), que escolhi no menu da Netflix, numa tarde friazinha.
Trata-se da adaptação do primeiro romance duma trilogia de sucesso duma tal Dolores Redondo. Depois da perda de tempo e desperdício de minha já baixa visão com parte do primeiro volume de Game Of Thrones, nem informação sobre tais produtos procuro, portanto, ater-me-ei (baba Temer!) à adaptação do diretor Fernando González Molina, seguindo roteiro de Luiso Berdejo.
Uma série de assassinatos de garotas desponta numa região florestal, perto da fronteira francesa, e a policial Amaia é enviada a sua aldeia natal, que guarda lembranças traumáticas de sua infância, além duma criatura mitológica da floresta, provavelmente o guardião do título (que não guarda nada, vide as garotas mortas). Com 3 níveis narrativos pra lidar, O Guardião Invisível fracassa em todos. Nenhum decola ou gera interesse, porque nenhuma das histórias é forte e desenvolvida; pelo contrário, é tudo clichê, mas se tivessem tido tempo de fermentar talvez divertissem.
O noir do século XXI foi revitalizado pela frente fria escandinava, com suas mulheres-protagonistas e ambientes sombrios.  Aqui temos uma inspetora, mas como empatizar com a sofredora-sem-graça Amaia? Na verdade, como se importar com qualquer personagem nesse universo de papelão? O Guardião Invisível não é a primeira produção espanhola que usa o norte do país pra fugir da luminosidade incandescente do sol meridional. Bajo Sospecha, a minissérie, fizera isso, leia resenha aqui. A província de Navarra é representada como sob perpétua escuridão, névoa e chuva, traindo a predominância do puramente estético em detrimento de qualquer consistência.
Quando o suspense é envolvente, estamos dispostos a aceitar inconsistências e até algum absurdozinho maior. Como O Guardião Invisível não emociona, o racional fica alerta pra detectar cenas inúteis como os papos entre Amaia e seu “mentor”, que não servem pra nada, ou melhor, apenas ao propósito “estético” de contrapor a escuridão de Navarra com o jorro de luz tropical donde quer que essa personagem inútil esteja. Eu ri. Parte do ritual do serial killer é deixar um biscoito local no meio das pernas da vítima. Pois não é que mesmo com a descomunal umidade, a bolacha mantém-se seca e crocante? E você não vai acreditar, como constatamos isso!
A precipitação pluviométrica em O Guardião Invisível é tão grande que aguou ou mofou o roteiro, a direção, a atuação e, sobretudo, a emoção. Há suspense espanhol bem melhor pra ver.

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