quinta-feira, 28 de setembro de 2017

TELONA QUENTE 204


Roberto Rillo Bíscaro

O sobrenome Darín comanda atenção na Argentina, porque Ricardo é o ator mais internacionalmente conhecido do país. Assim, quando o Júnior, apelidado Chino Darín, estreou como protagonista num policial de época, ainda por cima inspirado parcialmente pel’O Segredo de Brokeback Mountain, o hype estava armado. Muerte em Buenos Aires (2014) - primeiro longa de Natalia Meta, também coautora do roteiro com mais umas 3 pessoas – teve farta promoção e distribuição (está até na Netflix), mas decepciona em tudo, exceto na reconstituição de época. Mas se é pra ver anos 80 “realista”, melhor ver um filme da década.
Um homossexual da alta é morto e desde o começo sabemos que o assassino é o jovem e bonito policial Chino Darín. O machão inspetor Chávez está a cargo do caso e como o sedutor El Ganso estava na cena do crime, é escolhido como ajudante na investigação, mesmo não tendo experiência e sendo d’outra divisão. Mas, logo notamos porque Chavéz escolheu, sem saber, o próprio assassino: o zeloso paisão de família começava a se sentir atraído pelo mancebo. Assim, do nada, o bofe é hétero a vida toda, de repente, aparece um boy magia e rola química. Até deve acontecer, mas num roteiro tem que ser bem construído pra ser verossímil, e tudo em Muerte em Buenos Aires não o é. Tem hora que chega a ser cômico. Talvez pro público local contextualizar a época, há uns 2 ou 3 apagões (sem função alguma pra trama) e sempre que acaba a energia rola aquele efeito sonoro de chave-geral desligando de filme de terror ou suspense.
Estruturalmente, o filme tem um elenco de problemas:
A) uma trama cancela a outra, porque se já conhecemos o criminoso, importa saber como será descoberto, mas neste caso, também nos perguntamos se vai rolar fodinha entre os 2. Como nada é aprofundado, nada realmente funciona de modo consequente.
B) Tem cenas e personagens sem função; pra que serve a policial Dolores a não ser pra caricaturalmente representar o visual feminino dos 80’s? E aquele chiclete irritante em todas as cenas, o que é aquilo? Parece que a equipe de produção viu o que de mais brega houve nos anos 80. Na verdade, Muerte em Buenos Aires recria o período tão bem, que acaba parecendo realmente com a média de filmes ruins da época e não com a potencialidade de sofisticação mais de uma vez demonstrada por cineastas argentinos. Isso pesa muito, porque a própria Argentina, no longínquo 1986, realizou o muito mais eficiente Otra História de Amor, retratando uma relação homoafetiva.
C) Tem indicado ao Oscar desperdiçado. O inspetor Chávez é o mexicano Demian Bichir, que concorreu a melhor ator por A Better Life, em 2012 e é um dos protagonistas da ianquização da série sueco-dinamarquesaBronIBroen. Ou seja, o cara é bom, mas, atuar falando espanhol portenho não rolou, boludo!
Muerte em Buenos Aires é retrô em todos os sentidos, especialmente no que tange à representação do homoerotismo, sistematicamente visto de forma negativa, quer em seus resultados, quer na “ameaça” que representa à heteronormatividade. E ambas posturas são tão anos 50, 60, que, aff! Vamos esmiuçar. Todos os enlaces gays terminam de forma desastrosa e a representação do “mundo” gay é o clichê decadente de boates e tal. A heterossexualidade ainda é vista como algo muito frágil, que pode ser facilmente destruída pelo “perigo homossexual”. Essa dúvida que uma sociedade doentiamente hetero-orientada tem de sua suposta sexualidade única, definitiva e “natural” seria muito cômica, se não fosse a responsável por tantas hediondices. Galera tem medo de que criança ver beijo gay, vai virar viado. Escuta, menininho gay viu beijo hétero a vida toda e nem por isso prefere a Maria ao Mário. O roteiro de Muerte em Buenos Aires ainda opera nesse antiquado conceito de que a homossexualidade vem pra qualquer um, invadindo os lares da família argentina. Não funciona assim: a sexualidade é bem mais complexa e a súbita atração do inspetor Chávez não passa credibilidade. Na verdade, ele deve gostar mesmo de bacurinha só. E não há nada de errado nisso. Como também não haveria se ele gostasse de pipi e popô. Mas o roteiro tem que construir bem a personagem pra que acreditemos nela e em suas transformações.


Se você ainda quiser investir seu tempo assistindo a Muerte em Buenos Aires, certifique-se de ver as cenas dos créditos finais, porque o “segredo” por trás de tudo será mostrado numa cena de jogo de polo sobre cavalos. Ou então, se consegue entender espanhol sem legendas e ele ainda estiver no Youtube, tente Otra História de Amor. Apesar dos defeitos oitentistas, é muito melhor. 

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