segunda-feira, 9 de outubro de 2017

CAIXA DE MÚSICA 286


Roberto Rillo Bíscaro

Que vergonha; o Orchestral Manoeuvres in the Dark lançou álbum dia primeiro de setembro e sequer comentei sobre English Electric, o de 2013. Esse trabalho me escapara por entre os tímpanos até que Googuei sobre o LP homônimo do Big Big Train, lançado no mesmo ano. Só dava texto sobre os pioneiros do synthpop britânico; bati na testa inconformado de ter deixado passar o segundo trabalho após o reagrupamento, em 2006.
Formado em 1978 por Andy McCluskey e Paul Humphreys, o OMD quase sempre teve mais membros, mas ouvintes mais casuais – como eu – sempre se importaram com a dupla-fundadora. Junto com Gary Numan, Ultravox e o Human League dos Primeiros Dias, o Orchestral foi um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento da síntese synthpop entre punk music e música eletrônica. O rigoroso álbum Architecture & Morality (1981) é fundamental pra se entender isso. A primeira faixa, The New Stone Age, espetacularmente mistura Kraftwerk com pós-punk; é uma aula pra década que se abria. Lá por 84, o OMD viraria mais pop e antes do fim da década McCluskey e Humphreys ficariam de mal, reatando a parceria apenas em 2006.
English Electric deve ter passado batido, porque nos 80s, dançava Enola Gay e Electricity na boatinha do Clube Penapolense e amara a hipnótica Souvenir, trilha da novela global Eu Prometo (1983), última de Janete Clair/primeira de Glória Perez, mas nunca fui fã como de Sade, Pet Shop Boys, Phil Collins. Na era da internet e visitando a genealogia de minha década mais querida, desenvolvi amor pelos LPs iniciais, que ouço sempre, mas não segui de perto o restante. De qualquer forma, não é tarde pra escrever sobre o competente English Electric. 
Quarenta anos depois do auge do movimento punk e do Kraftwerk, pode-se afirmar com segurança que a Cromossomo K fixou-se definitivamente no genoma do OMD: English Electric tem tudo de Kraft e nenhum resquício audível do (pós)-punk. De modo geral, o LP tematiza certo desgosto com a modernidade; prometida dum jeito, vivida d’outro não tão resplandecente de neon e abundante de tempo livre. Quem lembra dum sociólogo desses de mídia, nos 80’s, profetizando que no futuro a automação permitiria que as pessoas trabalhassem menos? Precarização, insegurança na manutenção dos postos de emprego e gente conectada ao escritório quase o tempo todo são algumas facetas desse futuro não previsto pelo esquecido (Pollyann)acadêmico. E qual sonoridade pra falar de perspectivas fracassadas de futuro idealizado do que o bom e velho tecnopop oitentista? Apesar dum par de piscadas pralgum truque de produção mais contemporânea, English Electric é pra ouvidos mais velhos ou pra moçada que curte vintage.
É provável que o pendor de McCluskey e Humphreys por lindas melodias explique a fixação no Kraftwerk e não no agressivo (pós-)punk. Ouça a boniteza dos riffs de teclado de Night Café e Stay With Me, esse capaz de fazer montanha se avalanchar em lágrimas. Na veia de Enola e Electricity, Dresden traz memorável linha de teclado pra dançar, sustentada e impulsionada por baixo potente e rebolável. Não é à toa: Andy é baixista; Paul, tecladista. Daria tranquilamente pra tocar na boatinha do Clube Penapolense, emendada com It’s a Sin, dos Pet Shop Boys, lá por volta de 86-7.
Dresden é uma cidade alemã, pátria do Kraftwerk, inspirador de German, digo, English Electric. Metroland é pura minissinfonia fase Man Machine (1978), que aliás, tem faixa chamada Metroplis. Linda. Kissing the Machine é regravação de uma canção de 1993, do Elektric Music, projeto de Paul Humphreys com Karl Bartos, ex-percussionista adivinha de qual seminal grupo eletrônico germânico? Pra completar o domínio teutônico, a faixa conta com vocais de Claudia Brücken, do grupo synthpop alemão Propaganda, que fez sucesso no Brasil, em 1985-6. Paul e Claudia foram casal por vários anos.
Embora expelindo Kraftwerk pelos poros mais minúsculos, o álbum não soa como pastiche; é só que os caras amam Kraft desde os 70’s, a música dos alemães está até nos movimentos involuntários. Mesmo assim, sobra espaço pro synth-bolero de Final Song e pra The Future Will Be Silent, onde o OMD mostra que pelo menos ouviu dubstep e trap. Mas, pra nós oitentistas que enfrentamos a acid house, a faixa não soará alienígena.  
Entremeado de vinhetas “experimentais”, o álbum não assusta ninguém que passou pelos 80’s, afinal, os tais “experimentos eletrônicos” vinhetados já foram todos feitos. Com os timbres de teclados registrados do OMD, os vocais intocados pelo tempo (será efeito de estúdio? Estão iguaizinhos desde sempre!) e até mesmo uma personagem feminina inspiradora – Helena de Troia, no lugar de Joana D’Arc – English Electric mostrou um Orchestral Manuevres in the Dark no topo de sua forma madura.
Quem não quer ficar defasado como eu, que ouça o novo LP, puritanamente intitulado The Punishment Of Luxury. Já ouvi, mas ainda não me encantou tanto, quanto English Electric; vamos ver se rolará resenha...

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