Roberto Rillo Bíscaro
A psicodelia sessentista nunca morreu. Vai bem até hoje, enlouquecendo
o underground e vindo à superfície
disfarçada, de quando em vez, em álbuns pop, como no mais recente do Foster The People. No Brasil, segue circulando também, vide exemplo da paulista Bike, que
lançou segundo álbum este ano e já fez até turnê pela Europa.
Na segunda metade dos anos 80, a Grã-Bretanha viveu surto
psicodélico, então acrescentado do prefixo neo. Claro que bandas fundamentais
do universo indie, como o Echo & The Bunnymen, utilizaram muito da cartilha
psicodélica em seus álbuns iniciais, no começo da década. A reabilitação da guitarra
em um mundo sinthpopizado, feita por Smiths e Jesus And Mary Chain, além de
Echo, Cure e outros levou a um estouro de guitar
rock na segunda metade da década. Misturando anos 60 com as jangling guitars de Johnny Marr, as
distorções reverberadas do seminal Psychocandy (1985) e até o white noise domesticado em forma de arte
pelo Cocteau Twins, uma porrada de grupos desabrochou a partir da chamada Class
Of 86. Na verdade, a profusão de rótulos aumentava proporcionalmente ao número
de bandas que o fértil celeiro britânico armazenava. The Telescopes, House Of
Love, Soup Dragons, era um nome atrás do outro que líamos na Bizz, sem conseguir
obter os singles/álbuns.
De vez em quando, aparecia messias que salvaria o “puro” e
tadinho rock, contaminado, vilipendiado, humilhado devido ao império da música
dançável sintetizada durante toda a década de 80, que fecharia com o estouro
lisérgico da acid house, que fez com
que os Soup Dragons regravassem sucesso dos Rolling Stones em clima bem dance rock, que subiu ao topo das
paradas oficiais em 1990 e tocava até em pistas de dança da distante e petiz
Penápolis.
Um desses salvadores da pátria roqueira britânica foi o
Ride, formado em 1988, na universitária Oxford, por Mark Gardener (vocais e
guitarra), Andy Bell (vocais e guitarra), Steve Queralt (baixo) e Laurence
Colbert (drums). Esse Andy Bell não é o do Erausre, mas seria o do Oasis. Quando
os Stone Roses morreram na praia – que hype fizeram em cima dessa banda
mediana, Jesus! – o clima meio onírico
chapado e certa postura de “tô nem aí” no palco, garantiram que a imprensa
musical inglesa entronasse o quarteto como reis do shoegaze, título que sempre
refutaram.
Em 1990, o hoje semiesquecido Ride era a salvação. Essa
posição não se manteria por muito tempo; caíram em desgraça mais celeremente do
que viraram queridinhos. O sucesso nunca passou muito dos confins indie, as desavenças internas não
demoraram, o desgaste das turnês e o atropelamento pelos trens grunge e britpop
obsoletaram seu som quase de hora pra outra. Em 96, saiu o fiasco Tarantula e
depois cada um seguiu seu caminho.
Com o fim dos Smiths, em 87, e a decadência do Cure,
Siouxsie e dos astros pop oitentistas, parei de atentar pra cena “nova”, acho
que a partir dos Stone Roses. Desse modo, não vivi a onda das bandas de nome
curtinho tipo Ride e Lush. Escolhi não experimentei grunge ou britpop,
porque passei os 90’s colecionando material dos membros e ex do Genesis,
ouvindo prog rock e resquícios oitentistas. Claro que conhecia Smells Like Teen
Spirit, do Nirvana e Alright, do Supergrass, mas preferia ouvir Steve Hackett
(até hoje). Só na era da net que ouvi várias coisas 90’s com mais atenção,
inclusive o Ride. Nada marcou a ponto de sempre escutar, porém.
Mas, quando li que retornaram com Weather Diaries, dia 16
de junho, deu aquela nostalgia, afinal início dos 90’s ainda era 80’s. Ouvi o
single Charm Assault e pirei. Ficou no repeat
e decidiu o imperativo de ouvir as 11 faixas dos já (quase) 50tões. E não é
que os coroas ainda dão boa descarga de oníricas harmonias vocais e
instrumentais temperadas em viajante psicodelia contida pra ser palatável a
apreciadores do formato canção indie rock? Confira a linda Cali.
Lannoy Point abre criando clima, introduzindo instrumento
atrás do outro pra criar atmosfera bem apropriada pra entrada em palco, até que
bateria bem 1986 entra com guitarra e baixo e as coisas ficam típicas da cena
inglesa dos late 80’s/early 90’s. Não
demora prum solo de guitarra todo jangling encantar. Desculpem usar o inglês
jangling, mas pra mim essa é a única definição pra esse tipo de guitarrada.
Charm Assault vem em seguida; ponto alto do LP. Irresistivelmente pra bater
cabeça e cabelão e prova – pra quem esquecera ou não sabia – de que o Ride deve
muito ao My Blood Valentine.
A vibe mais pra
cima – dentro do possível pro brumoso Ride – das 2 primeiras canções engana
quem esperava disco no estilo. As 9 faixas restantes são bem mais lentas, nada
dançantes, apresentando vários andamentos e versões de algo como psych-ballads,
tipo Home Is A Feeling, Impermanence ou White Sands. All I Want está nessa
categoria, mas abre com o maior tropeço do álbum: pra que aquele truquezinho
pop de boy band de botar vocal em eco
no começo? Não combina com o esfumaçado hipnótico do resto. Muito melhor é a
faixa-título, que em seus quase 7 minutos mantém a característica de
psicobalada, mas ao final, uma avalanche de estática literalmente destrói a
melodia, deixando apenas fragmentos de cordas. Grande faixa.
Rocket Silver Symphony tem 2 minutos de ambiência space rock pra se transformar em
psicodelia com incrustações de estrutura repetida de krautrock/Kraftwerk, que,
como sabemos influenciou muito da EDM, que também informa a canção. Nesse caso
os vocais com eco funcionam, porque dentro de padrão apropriado. Lateral Alice
é psicodelia anos 60 trombada com um mundo pós-Jesus And Mary Chain. Guitarras
graves e bateria avalanchada dão-lhe notável energia. Integration Tape utiliza
fragmentos sônicos e white noise de
ninar, pra estabelecer seu clima de viagem interssensorial.
O tempo nesses diários é
nublado com bruma chuvosa, um dos traços distintivos de muitas bandas etiquetadas
shoegaze. Essa cerração sônica
permeia as 11 faixas de um álbum que colocou o Ride no décimo-primeiro lugar da
parada inglesa. Nada mal e eu que os cria semiesquecidos.
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