quarta-feira, 11 de outubro de 2017

CONTANDO A VIDA 207

NADA A COMEMORAR...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Não é só para mim. Não mesmo... Creio que muitos se surpreendem quando olham o calendário e exclamam: ou-tu-bro, já?! Meu Deus, o ano está apontando para a sua vira e, mais do que exaustos, nos é fácil sentirmos tragados. E que ano, diga-se! Quando não se acreditava que as coisas conseguissem piorar, eis que o improvável se materializa galopando. A mecânica dos dias, porém, é implacável e no caso do mês de outubro, o acúmulo de celebrações cabíveis nas efemérides oficializadas é formidável, e se esparrama por todos os níveis: sociais, morais, religiosos, éticos, e cívicos.  É tanta data celebrativa que se tem a sensação de que temos que festejar como nunca, antes que o mundo acabe. E haja destaque: dia das crianças, da Padroeira do Brasil, de São Francisco, da chegada de Colombo à América, dos professores, dentistas, médicos... Ante tanta festividade, indignado, fico me perguntando dos porquês, principalmente posto que dezembro está logo ali, com sua carga de tantas outras comemorações oficializadas sob o decreto cultural de epílogos. Mas outubro está correndo, e de forma quase patética isso nos impõe balanços sobre a vida social, em cima de nossos projetos pessoais, e sobretudo conferindo nosso papel no complicado processo.

Sempre me recordo do neologismo “outubrite”, referência frajola a um conjunto de 31 dias que inflamam os sintomas anunciados ao longo dos meses e tensões anteriores. Achei graça, dia desses, quando perguntei a uma colega como ia indo e ela conformada respondeu “vou outubrando”. Entendi logo, ela está “sobrevivendo”, tocando a rotina de dias mecânicos e exaustivos. Mas bastou isso para me perguntar “mas e eu, como vou neste outubro”? Fatal questão essa, diga-se, pois doeu-me como a imagem refletida em trágico espelho social. O que vi? Sem muito esforço, desfilou aos meus olhos a exaustão das investigações da Lava-jato tão pontuada sem resultados. O agravo maior, porém, corre por conta do sufoco contábil da soma dos incontáveis montantes de dinheiro implicado nos processos. Nada tem fim. Consequência imediata disso, o triste espetáculo dado pelo nosso Poder Judiciário que fugindo da discrição conveniente e desejável aos cargos, ganhou protagonismo anulador da máxima jurídica que prezava a fala dos juízes nos processos. Como popstars, ministros mostram suas intimidades, expondo a público o desequilíbrio interno e o que é ainda pior, os desníveis entre os poderes. O periclitante dessa história é que o longuíssimo processo se encaminha para provar que tudo é a imagem e semelhança da nação. Não bastasse o mau exemplo das “autoridades competentes”, o respaldo legislativo legitima o desastroso executivo, que faz repetir que estamos melhorando economicamente, como se isso não fosse previsível.

O cenário é amplíssimo: florestas desbastadas, a educação como todo seu complicado aparato levada à falência, cortes de verbas para pesquisas, multiplicação progressiva de moradores de rua, esvaziamento de programas sociais, tentativas incríveis de processos de censura, ataques a cultos religiosos prescritos da legenda evangélica, mulheres atacadas publicamente, militares se autoelogiando como redentores da república, homossexuais reprimidos em sua imagem pública, novos fluxos de brasileiros saindo do país... Nossa!... Tudo somado convoca vergonha e intimida otimismos. Um pálido inventário de nossas mazelas convoca lágrimas.

Sou professor, avó, simpatizante de São Francisco e Nossa Senhora Aparecida. Na constelação dos direitos, por certo, deveria preparar minhas roupas festeiras. Deveria – condicional fatídico – mas não vejo motivos para qualquer alegria. É repetido que vivemos em plena crise, e, crise por crise, vou despindo minhas ilusões. O último fio de esperança reside exatamente na luz dada por este outubro: o ano vai acabar.  

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