NADA
A COMEMORAR...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Não
é só para mim. Não mesmo... Creio que muitos se surpreendem quando olham o
calendário e exclamam: ou-tu-bro, já?! Meu Deus, o ano está apontando para a
sua vira e, mais do que exaustos, nos é fácil sentirmos tragados. E que ano,
diga-se! Quando não se acreditava que as coisas conseguissem piorar, eis que o
improvável se materializa galopando. A mecânica dos dias, porém, é implacável e
no caso do mês de outubro, o acúmulo de celebrações cabíveis nas efemérides oficializadas
é formidável, e se esparrama por todos os níveis: sociais, morais, religiosos,
éticos, e cívicos. É tanta data
celebrativa que se tem a sensação de que temos que festejar como nunca, antes
que o mundo acabe. E haja destaque: dia das crianças, da Padroeira do Brasil,
de São Francisco, da chegada de Colombo à América, dos professores, dentistas,
médicos... Ante tanta festividade, indignado, fico me perguntando dos porquês, principalmente
posto que dezembro está logo ali, com sua carga de tantas outras comemorações
oficializadas sob o decreto cultural de epílogos. Mas outubro está correndo, e
de forma quase patética isso nos impõe balanços sobre a vida social, em cima de
nossos projetos pessoais, e sobretudo conferindo nosso papel no complicado
processo.
Sempre
me recordo do neologismo “outubrite”, referência frajola a um conjunto de 31
dias que inflamam os sintomas anunciados ao longo dos meses e tensões anteriores.
Achei graça, dia desses, quando perguntei a uma colega como ia indo e ela
conformada respondeu “vou outubrando”. Entendi logo, ela está “sobrevivendo”, tocando
a rotina de dias mecânicos e exaustivos. Mas bastou isso para me perguntar “mas
e eu, como vou neste outubro”? Fatal questão essa, diga-se, pois doeu-me como a
imagem refletida em trágico espelho social. O que vi? Sem muito esforço,
desfilou aos meus olhos a exaustão das investigações da Lava-jato tão pontuada
sem resultados. O agravo maior, porém, corre por conta do sufoco contábil da
soma dos incontáveis montantes de dinheiro implicado nos processos. Nada tem
fim. Consequência imediata disso, o triste espetáculo dado pelo nosso Poder
Judiciário que fugindo da discrição conveniente e desejável aos cargos, ganhou
protagonismo anulador da máxima jurídica que prezava a fala dos juízes nos
processos. Como popstars, ministros
mostram suas intimidades, expondo a público o desequilíbrio interno e o que é
ainda pior, os desníveis entre os poderes. O periclitante dessa história é que
o longuíssimo processo se encaminha para provar que tudo é a imagem e
semelhança da nação. Não bastasse o mau exemplo das “autoridades competentes”,
o respaldo legislativo legitima o desastroso executivo, que faz repetir que
estamos melhorando economicamente, como se isso não fosse previsível.
O
cenário é amplíssimo: florestas desbastadas, a educação como todo seu
complicado aparato levada à falência, cortes de verbas para pesquisas,
multiplicação progressiva de moradores de rua, esvaziamento de programas
sociais, tentativas incríveis de processos de censura, ataques a cultos
religiosos prescritos da legenda evangélica, mulheres atacadas publicamente,
militares se autoelogiando como redentores da república, homossexuais
reprimidos em sua imagem pública, novos fluxos de brasileiros saindo do país...
Nossa!... Tudo somado convoca vergonha e intimida otimismos. Um pálido
inventário de nossas mazelas convoca lágrimas.
Sou professor, avó, simpatizante de São
Francisco e Nossa Senhora Aparecida. Na constelação dos direitos, por certo,
deveria preparar minhas roupas festeiras. Deveria – condicional fatídico – mas
não vejo motivos para qualquer alegria. É repetido que vivemos em plena crise,
e, crise por crise, vou despindo minhas ilusões. O último fio de esperança
reside exatamente na luz dada por este outubro: o ano vai acabar.
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