terça-feira, 3 de outubro de 2017

TELINHA QUENTE 279



Roberto Rillo Bíscaro


A Netflix tem duas séries cujo protagonista é Sherlock Holmes, detetive criado por Arthur Conan Doyle, que virou ícone. Vi ambas, por isso nossa seção de TV hoje vem em forma de dobradinha.

Continuo tentando uma tipologia para séries policiais. Até ver as 4 temporadas de Sherlock pensara em 3:
a)       As deprês, onde tudo termina mal, porque sempre foi mal, como Bron/Broen, Broadchurch, Hinterland;
b)       as fofas, onde assassinatos são convertidos em entretenimento para vermos detetives simpáticos desvendando casos que mal afetaram vidas, porque 2 cenas após a morte, gente íntima já está dando depoimento numa boa e ao fim do episódio até ri, como Murder She Wrote;
c)        as medianas, onde o clima não é tão desesperador quanto em Shetland, nem tão despreocupado com o luto, como em The Doctor Blake Mysteries. A escocesa Rebus é bom exemplo dessa categoria.
Lembrando que essa classificação é de alguém que jamais leu a respeito, portanto, é mais pra divertir, ocorreu-me outra: despirocada. Enquanto via a deliciosa Whitechapel pensei em adicionar a categoria e isso consolidou-se com Sherlock.
Os 13 episódios da série da BBC trazem o clássico detetive de Arthur Conan Doyle pros dias atuais, em clima totalmente camp, que não destoa do constante questionamento sobre a sexualidade de Holmes e se ele e o Dr. Watson são caso. Camp é uma gíria para comportamento, atitude ou interpretação exagerada, artificial ou teatral; ou ainda um adjetivo que significa algo de mau gosto, muito artificial, exagerado, "cafona" ou "brega". Atrelado à subculturas gays desde os anos 1960, o termo camp aqui não pretende homossexualizar o detetive cocaínado; ele é assexual, vive pro trabalho. Entretanto, a ferveção dos roteiros de Mark Gattis, Steven Moffat e Stephen Thompson é tanta que chega a enjoar um bocadinho, porque deixei pra ver 3 temporadas meio em seguida. É divertido, mas episódios de 90 minutos, vistos cronologicamente muito vizinhos, provaram ser meio overdose. Passado um tempo, quando vieram os 3 da mais recente temporada quatro, deu pra curtir de boa novamente. Sherlock é do bem, compensa ver.
As 2 temporadas iniciais são muito bem produzidas e criativas de jorrar. O uso da tela pra mostrar o mirabolante processo dedutivo de Holmes é sensacional, ainda que penalize quem não enxergue bem! Pensando numa geração acostumada à movimentação das telas de telefones espertos e videojogos, Sherlock faz uso farto de velocidade, simulações, flashbacks, câmeras piruetantes. Os diálogos são impagáveis e as conexões muito inteligentes. Na terceira temporada, as coisas já não foram tão bem, com aquela enrolação dos diabos do episódio da “ressurreição” de Holmes e o do casamento do Dr. Watson. A amarração resultou ser muito inteligente, mas a linguiçada foi maior que nos demais. Seriam melhores, se mais curtos. A quarta temporada veio pra reelevar o interesse, com sua revelação bombástica, todos os truques conhecidos das demais temporadas e aquele episódio final com desafios pra resolver, bem divertido mesmo.
No geral, tudo é muito competente e é ótimo ver a velha e boa BBC contemporaneizando sua linguagem, embora nós mais velhuscos esperemos que continue espaço pra produções mais lentas.

Como em TVland boas ideias, pagamento de direitos autorais desnecessário, elogios da crítica e, especialmente, boa audiência, são atrativos irresistíveis pra novas releituras, a norte-americana CBS lançou sua própria modernização da personagem de Sir Arthur Conan Doyle. Elementary estreou em 2012 e está em sua quinta temporada. Por ora, apenas 4 estão na Netflix e foram as que vi. Gostei demais da conta; mais do que da culturete da BBC.
Elementary tem pegada de procedural drama, ou seja, é mais como vemos em CSIs (vemos é modo de dizer, porque nunca assisti) ou em tantas séries resenhadas no blog. Embora haja alguns episódios interligados e Moriarty apareça de quando em vez, assim, como Mycroft e o pai de Sherlock, Elementary consiste de sólidos 40 minutos, onde o detetive inglês e Watson descobrem mirabolâncias, mandando a plausibilidade às favas. Mas, quem se importa com elas, quando se quer diversão e algo pra falar no trabalho, segunda de manhã (até onde sei, o show passava no domingo às 22h, nos EUA)?
É a velha estrutura que existe desde a cinquenstista Dragnet: crime acontece, somos apresentados a interrogatórios e suspeitos, “enganados” com culpado por engano, e, finalmente a resolução. No caso de Elementary, como o protagonista é o dedutivo ao extremo Sherlock Holmes, os roteiristas podem viajar bem mais profundamente na maionese. Na maior parte das vezes é tudo bem feito, exceto por um episódio que me atingiu quase como insulto à personagem. Há uma gravação em que a vítima fala algo como “no, no”, tocada repetidamente. Na cena seguinte, aprendemos que o nome verdadeiro de seu irmão é Noland. Ah me faz um favor, né? E Sherlock leva horas/dias pra sacar isso? Inverossímil pruma personagem capaz de lembrar/perceber detalhes minúsculos (é pleonasmo, sim, mas quer melhor pra expressar esse tipo de detalhe??)
Barbeiragem desse porte só mesmo num episódio. Claro que Elementary não é tão cheio de referências intertextuais e explosões de criatividade hipster, como Sherlock, mas justiça seja feita: a turma da BBC escreve 3 roteiros por ano; a da CBS tem que botar uns 24 na linha de montagem. Mas, sabem o quê? Elementary resultou-me muito menos enjoativa: assisti as 4 temporadas de maratona praticamente e não deu overdose, porque tem menos pirotecnia gritante, talvez.
Sem contar que as atualizações são pra lá de significantes. Dr. Watson transformou-se numa mulher sino-americana (Lucy Liu que faz umas caras qualquer nota, amo!), que primeiro entra na vida de Sherlock como espécie de guardiã de sua sobriedade, pra que ele não recaia na narcoadição. Um dos aspectos mais gratificantes de Elementary é o modo como retrata humanitariamente os dependentes químicos e suas eternas reuniões de apoio, riscos de recaída, tudo isso apoiados numa personagem 100% positiva: quem discutiria que o genial detetive Sherlock Holmes não mereceria uma segunda, terceira, quarta chance na sociedade, apesar de seu vício em químicos?

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