terça-feira, 31 de outubro de 2017

TELINHA QUENTE 283


Roberto Rillo Bíscaro

Fazia tempo que vira o nome The Principal, enquanto vasculhava online por séries. Como isso significa O Diretor de Escola, relutava em dar oportunidade. Por mais fofos e divertidos que tenha achado Merlí e Rita, não tenciono ver algo similar tão cedo. Quase me ofendem essas séries de professor que luta contra um sistema sem que esse seja sequer questionado e que detona outros professores pra tornar a “missão” do protagonista possível. Não se espera que uma andorinha faça verão, mas acredita-se que um docente possa, desde que se invista do papel de santo amalucado; depende apenas de nós (sou professor, lembram-se?) Bem, não é assim que funciona na vida real de aluninhas dando comprimidos misturados à água pra professora dormir.
Mas, felizmente apertei The Principal (2015) no menu da Netflix e não me arrependi. A produção australiana é uma espécie de Merlí desce aos infernos. O começo é típico: Matt Bashir, de origem “árabe”, é um professor de História que consegue posto como diretor na problemática escola púbica apenas pra garotos onde estudara. Lá, começa a implantar seus métodos integracionistas, que pregam tolerância mais que louvável aos alunos, muitos deles vindos de situações traumáticas de guerras como a da Síria. Como eles sofreram e sofrem horrores com a pobreza australiana, podem chamar o professor de culinária de viado sem repreensão alguma. Por ser docente, ele tem que ser estoico e compreensivo. Lindo, né? Culpado é o resto do staff, que não entende os estudantes. Que o enorme êxodo mundial está juntando culturas que não gostariam que isso ocorresse, pra começo de conversa, não importa.
Dai, ocorre reviravolta que singulariza os 4 capítulos da minissérie. Um aluno é encontrado morto e a perspectiva vira mais de investigação policialesca, o que implica na descoberta de esqueletos no armário de todo mundo, inclusive de Bashir. Ele é um bom homem, mas não a última bolacha do pacote, ou até é, pensando melhor, afinal, bem frequentemente esse biscoito se parte, quando a retiramos.  
The Principal é inteligente, porque consegue ser eficiente suspense policial ao mesmo tempo que mostra que ações individuais podem fazer a diferença, mas não mudarão o desempenho e interesse de todos os alunos (se bem que Merlí e Rita são pura mistificação; eles se envolvem com um punhadinho de estudantes apenas) num passe de mágica. Aliás a resolução do assassinato subverte essa falaciosa narrativa de salvação universal pela educação a partir dum indivíduo-mártir-sacerdote-palhaço-melhor-amigo-figura paterna/materna-confidente  dos alunos.
Em termos de produção, The Principal também tem seu diferencial: é encharcada numa bela cinematografia amarelada, que mostra que ali o negócio é mais bem feito e “artístico”, além de conferir característica algo outro-mundista, o que não deixa de ser perigosinho: vamos lá, The Principal se passa, sim, numa Sidney forçadamente multicultural, que tem bairros pobres.
Nós, professores, brasileiros, não deixamos de sorrir, quando vemos a “pobreza” dos alunos australianos, pelo menos a ali demonstrada. Ah, se aqui fosse assim, já seria progresso!

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