Tenho lido/ouvido muito o termo empoderamento duns tempos
pra cá. Bastou aparecer personagem minoritária e a simples representação é
índice de empoderamento. Foge ao escopo de minhas resenhas fazer discussão
acadêmica sobre temas, afinal este é um blog pra entretenimento, quando não
sobre o assunto albinismo, mas seria pertinente checar salários pra ver se
atrizes intérpretes de empoderadas são igualmente cheias de poder como os homens,
por exemplo.
Não procurei saber o salário da excepcional e premiada
Paulina Garcia, mas Gloria (2013), dirigido por Sebastián Lelio, é excelente
história de empoderamento feminino. A personagem-título é mãe de meia-idade
vivendo muito só na capital chilena. Os filhos já adultos não têm muito tempo
pra ela, porque têm suas vidas/problemas, então, resta-lhe o emprego e dançar
em bailes da saudade (que toca música já da minha geração!) ou frequentar bares
pra solteiros, onde de vez em quando arruma parceiro.
Gloria não apresenta nada de “especial”, como preconiza
certa cartilha artística. Isso não significa que seja oca; é como todos nós,
comuns: cantarola música brega a plenos pulmões, enquanto dirige, usa uns
oculões gigantescos (parece Dustin Hoffman, como Tootsie, às vezes!). À
primeira vista desanima; que história uma pessoa assim teria pra nos
interessar? Pelo menos pros acostumados apenas à heroica narrativa comercial de
Hollywood. Num desses bailes da vida, conhece Rodolfo, coroa simpático,
carinhoso, inteligente, bem-sucedido e fera na cama. Quero ver se Hollywood
botaria Michael Douglas e Dianne Keaton em cenas tão apimentadas e realistas,
como as entre Garcia e Sergio Hernandez. Rugas, flacidez, nada é camuflado, mas
o sexo na idade 3 parece ser muito bom. Rodolfo, porém, é dominado pelas filhas
e ex-mulher dependentes e manipuladoras. Será que pra fugir da solidão,
compensa ter um homem assim, mesmo que fofo, atencioso (quando não sai correndo
pra atender às marmanjonas) e rojãozinho no leito?
Gloria, o filme, narra paciente e vagarosamente – bem
naquele ritmo de cinema de festival latino-americano – esse recorte na vida de
Gloria, a personagem. O roteiro faz emergir o fascínio que histórias “comuns”
podem ter e nos insere no mundo interior tão rico de alguém que a princípio,
julgamos não ter caso interessante a ser mostrado. Gloria é muito sobre nos
tocarmos de que nossas vidas, embora imersas na cotidianidade desprezada e até
ironizada pelas “grandes” narrativas, podem ser tão férteis e ricas quanto a
das impossíveis personagens que somos adestrados a idealizar. Nada contra essas
últimas, porém. O que seria da diversão sem uma Victoria Grayson ou um JR Ewing
(amo ambos!)? Mas, Gloria, além de empoderar, ainda prova que diversidade é
mais do que apenas mostrar personagens mais do mesmo, apenas com cores de pele
diferentes ou orientações sexuais mais fluídas. É também mostrar como a vida
duma mulher “apagada” de classe-média não é nada apagada.
Um filme assim exige atriz de alto calibre e Paulina
Garcia dá um show de olhares e expressões faciais. Fascinante e olha que a
atriz está na tela quase o tempo todo. Mas é tão boa que em bem pouco tempo
começamos a torcer e admirar essa mulher “comum”, quanto qualquer “incomum”,
até cairmos na gargalhada no modo como elimina o bofe tóxico. Não se zangue,
não deve ser mais spoiler a essa altura saber que Rodolfinho dança – não disse
que é uma narrativa sobre empoderamento? O engraçado (mesmo) é ver como, e
depois ficar morrendo de vontade de dançar Lança-Perfume (tem Rita Lee na
trilha!) e a oitentista Gloria, com Gloria. E desejar que seja muito feliz do
que jeito que der, porque Gloria é incrível.
E se ela é, podemos ser também!
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