quarta-feira, 15 de novembro de 2017

CONTANDO A VIDA 212

CRÔNICA DO NOME, SEM NOME...


José Carlos Sebe Bom Meihy

Como qualquer pessoa que vive no âmbito da cultura ocidental e aprendeu que a democracia, por pior que seja politicamente exercida, é o melhor sistema de governo, sempre execrei a figura de Hitler. As dificuldades de estudo sobre o terrível ditador ainda hoje me ocasiona bloqueios quase que insuperáveis. O mais complicado para mim, no entanto, sempre foi entender como as peças musicais de meu mais devotado autor de música erudita, Richard Wagner, tinham servido de base para que os pangermanistas formulassem a teoria da superioridade racial alemã. De toda forma, precisei superar os entraves para entender (e aceitar) que toda cultura é construída, e que no caso da música, tudo se complica, pois isso implica aceitar códigos bem mais sutis do que os permitidos pela linguagem escrita, objetiva e de certa concretude.


Foi assim que precisei dar alguma atenção à biografia de Wagner para ter alguma noção do papel social da música “clássica” como elemento de manipulação política. Dessa maneira, cheguei a um teorema existencial profundo. Dentre tantas óperas, Lohengrin contém a chave de alguns enigmas ligados ao folclore germânico. Uma das passagens mais importantes revela o dilema da personagem Elza que não poderia fazer nunca perguntas, mas se via compelida a saber o significado de seu nome. Aliás, toda história dessa ópera é interessante.

Em 1845, contando com 32 anos, Wagner adoeceu e com sérias complicações foi aconselhado a diminuir a rotina alucinante de criação. Indo às montanhas da Boêmia, numa região termal, retomou o enredo de uma lenda onde um misterioso cavaleiro, saído das brumas, chega a um porto desconhecido, em um barco negro conduzido por um cisne branco. Espiritualmente tinha recebido a incumbência de salvar uma donzela em perigo. Sem explicações, se apaixona por ela, mas é obrigado, por força inexplicável, a partir para sempre. É quando então ela relaciona seu nome ao destino. Em sua autobiografia, Wagner conta como concebeu o enredo e narra “eu tinha apenas entrado no banho termal, ao redor do meio-dia, quando o desejo irresistível de musicar Lohengrin tornou a assaltar-me violentamente. Incapaz de transcorrer sequer mais um momento dentro da água, precipitei-me imediatamente para fora e, vestido sumariamente, corri como louco para meu quarto, para começar a escrever o esboço em prosa do poema que tinha em minha mente. Este fato se repetiu nos dias subsequentes até que, em três de agosto, a inteira narração da nova ópera foi completada”.

Pensando na história de Elza, me veio à cabeça o sentido do questionamento sobre nossos nomes. Retomei também a consequência da escolha de nomes de nossos filhos. É muito sério pensar no peso disso, pois para sempre a pessoa batizada passará a ser designada dessa forma. Em paralelo, conclui que a melhor escolha, no mundo moderno, remete a nomes que podem ser reconhecidos em qualquer idioma como Daniel ou Marta, por exemplo. Seria mais complicado se fosse Antonio. Antonio: com acento? Mas qual, agudo, Circunflexo? E exigiria tradução e até apelido: Tom, Tony, Toninho... Seria ruim. Acho complicado também os nomes que evocam passagens triunfais como como Júlio César ou Napoleão.

Deve ser difícil alguém chamar Jesus, pensou? Para mim, seria uma cruz ter esse nome. O mesmo se repete no feminino: Madalena, Dolores, Piedade... a evocação de santos e santas também me perturba: Dimas, Domingos, Tadeu. Tereza, Fátima, Cássia... Deus me livre. Sei que José e Maria são as denominações mais comuns no Brasil, mas se pararmos para referendar significados, talvez, não fossemos tão insistentes. O mesmo se diz no nordeste de Cícero ou Damião, e entre os islâmicos Mohamed. Pode ser duro aceitar, mas carregar a fé de nossos pais é coisa alheia ao nosso destino. Não aprecio também as modernizações do tipo Cauã ou Kenzo, para meninos e Jacqueline ou Michele para as garotas. Por certo devo ser comedido, pois, quantos queridos assim são chamados.

Creio que me seria suportável nomes clássicos como: Heitor, Ulisses, Hermes. O fardo não me seria insuportável se a memória refrescada de alguns anjos, querubins – à exceção de Serafim – me servissem. Gabriel, Miguel ou Davi estariam de bom tamanho. Há santos ou heróis aceitáveis: Tomás, Tiago, Jerônimo, mas a maioria é estranha ou mesmo postiça. Interessantes também são algumas tradições que, contudo, não cabem mais e soam engraçadas. Chego e me encantar, por exemplo, com a tradição britânica que chamava as mulheres de Hillary, Melody, Happiness, ou ainda mais sutil Prudence ou Liberty.

Tudo isso decorreu da instigação dada por Wagner. É bom que pare por aqui, pois acho que o mesmo destino que levou Lohengrin a desaparecer pode significar o fim desta crônica que não tem explicação e nos deixa como Elza, sem resposta. Aliás, como ela, não deveríamos perguntar nada a quem nos deu a vida... e o nome...

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