sexta-feira, 17 de novembro de 2017

PAPIRO VIRTUAL 118


Roberto Rillo Bíscaro

Gutemberg é o grande responsável pela literatura barata em mais de um sentido. A produção em massa cada vez maior, aliada a crescente alfabetização e sede por entretenimento, há séculos vem despejando jorros de histórias rápidas, sensacionalistas e frequentemente viciantes. Folhetins rocambolescos, penny dreadfuls, dime novels, a quantidade de gente escrevendo por migalhas pra ser vendido por mixaria é caudalosa.
Mais ou menos entre a década de 1920 ao fim da de 40, ocorreu o apogeu e desmonte da pulp fiction, assim denominada porque os livretos eram feitos com polpa de celulose, por isso custavam centavos. Na época da Depressão trintista isso seria mão na roda pros milhões sem grana, que queriam escapar um pouco da realidade horrenda do desemprego, mediante fartura de subgêneros: as revistas de pulp fiction flutuavam pelo western, horror, ficção-científica, policial detetivesco, fantasias, aventuras (que tinham subgêneros dentro do subgênero, como aviação, egiptologia etc) e até pornozinho soft.
Pulp Fiction: The Golden Age of Sci Fi, Fantasy & Adventure, também subtitulado The Golden Age of Storytelling (2010) começa a dar conta desse universo esnobado pela crítica literária, mas guarda armadilha que precisa ser desarmada, pra extrair a polpa.
Na pulp fiction começaram autores importantes como Dashiel Hammett, Raymond Chandler, Ray Bradbury, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, H. P. Lovecraft. Mas, o documentário não perde a oportunidade de insistentemente incensar o medíocre L. Ron Hubbard, prolífico pulper, mas muito mais badalado por meia Hollywood como criador da igreja da Cientologia. Então, cuidado: o documentário é propaganda subliminar ma non tropo dessa arapuca religiosa.
Uma vez protegido do proselitismo disfarçado, o documentário pode ser curtido como introdução a esse universo de papel barato e capas chocantemente coloridas em cores primárias. Luke Skywalker e Indiana Jones são netos cinematográficos dos incontáveis heróis da pulp fiction; os queridos detetives deprês do Nordic Noir são filhos de Sam Spade e Philip Marlowe, por sua vez prole dos primeiros detetives beberrões e ásperos da pulp fiction. Heróis dos quadrinhos são migrações pulp.
No afã propagandista de defender seu herói, alguns comentaristas desnecessariamente detonam a “alta” literatura, embora quantos críticos eruditos desta não fazem o mesmo com a “cultura de massa”, não? Mas, é bem legal saber alguns detalhes da produção, como o salário de miséria pago aos escritores e ver a profusão de capas exibidas, provavelmente o quinhão mais saboroso do documentário.
Como o pop não poupa ninguém, a pulp fiction, que já era transformação de algo anterior, também metamorfoseou-se em serial, literatura em capa de papelão, daquelas abundantes em aeroportos; filmes, que disfarçam a pulpice com efeitos especiais; séries de TV e quadrinhos, também procurando camuflar sua matriz pulposa, mediante a criação de “mitologias”.


Assim, releve o engodo de Hubbard como escritor de importância e aproveite o lado cheio desse copo de pulp fiction, disponível no Youtube:

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