Vivo advogando a importância que teria uma personagem
com albinismo representada de forma mais realista do que o usual papel de vilão
ou portador (de propósito o termo) de poderes especiais. É ótimo ver
diversidade nas telinhas, com gente de várias etnias e estilos de vida sendo
retratados. Mas há que se tomar cuidado pra não transferir a programas de TV a
capacidade de educar e alterar consciências por si sós. Senão, também estamos
abrindo pro argumento de que psicopatas ou gays são criados vendo séries.
Por mais legais e importantes que sejam, séries têm o
objetivo primordial de entreter; não dá pra transferir toda a responsabilidade
da educação pra empresas que, no fim, por melhores que sejam as intenções,
precisam de produtos lucrativos. Assim, é legítimo reclamar quando alguma
representação seja daninha – como a insistência na figura do albino malvado,
revoltado e esquisito – mas não seria correto esperar que um programa de TV pra
entreter cumprisse o papel de documentário ou aula de biologia.
Creio que essa postura seja uma das mais sanas pra se
assistir aos adoráveis 8 capítulos de Atypical, série da Netflix, estreada em
agosto. A produção tem defeitos e trilha caminho já percorrido por tantas, mas
passa alguma informação sobre o autismo de sua personagem central, Sam, que aos
18 anos quer arrumar namorada e transar, provavelmente nesta ordem, porque
regras são muito importantes pra ele.
Atypical é típica dramédia chamada em inglês de coming of age drama, porque dramatiza o
amadurecimento de jovens. Cinema e TV estão coalhados disso. O semidiferencial
de Atypical é que seu protagonista está dentro do espectro autista; nada tão
grave que complique sua representação dramática. Usei semi, porque já vi
diversos nerds ou geeks representados perigosamente como
Sam. Uma das armadilhas de representar rupturas mentais e comportamentais de
modo fofinho-cuti-cuti-miguxo é abrandar demais o lado hardcore deles. Sam já está bem avançado em seu desenvolvimento
social, porque é acompanhado por psicóloga, mas seu surto no ônibus no capítulo
derradeiro não é nada divertido, ainda que edulcorado pela produção.
Alertado quanto a isso – o que parece utópico, uma vez
que ainda há quem confunda ator com personagem, em 2017! – Atypical é deliciosa
e vi em maratona de fim de semana. Gostei especialmente do relacionamento entre
Sam e a irmã atleta, que trata o irmão bem “naturalmente”, dando peteleco,
zuando, mas vira onça quando alguém de fora tenta fazer o mesmo. Irmão briga
mesmo e no caso de um autista deve ser inevitável a existência de sentimento de
ter sido deixada em segundo plano, o que efetivamente ocorre com a menina e não
escapa ao roteiro.
As formas oriundas do drama burguês são melhores pra
tratar de pessoas “normais”, ou seja, com maior autonomia de ação, por isso essas
são mais eficientemente representadas. É o que tem pra hoje, então celebremos o
que dá pra fazer. Que lindo ver o pai finalmente tentando estabelecer relação
com o filho que não conseguia aceitar. Que boa discussão dá a mãe que após se
anular por tantos anos, sem poder confiar no maridão, acaba achando válvula bem
musculosa pra escapar.
Atypical meio que domestica
e romantiza o autismo – a comunidade autista deve já estar reclamando de ser
representada tão frequentemente como alivio cômico – mas a história prende, as
pessoas são simpáticas e de carne e osso e, por menor que seja, é ponto
positivo na divulgação do tema autismo e na representação da diversidade nas
telinhas.
é importante que se veja esta postagem pois mostra a realidade do que se passa com as pessoas com autismo
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