terça-feira, 28 de novembro de 2017

TELINHA QUENTE 287


Roberto Rillo Bíscaro

Comparadas a outros gêneros, comédias são meio raras em minha dieta ficcional de qualquer plataforma. Já resenhei sitcoms tipo 3rd From The Sun, Hot In Cleveland, The Golden Girls e até algumas temporadas de séries desistidas, como Mike and Molly. Não destituído de senso de humor, identifico-me mais, de geral modo, com certa vertente meio “malvada” de humor britânico, que acho irônico, mordaz, autodepreciativo, polimorficamente perversinho. Mesmo assim, também não vejo muito, mas quando o faço, curto, como com Twenty Twelve. Mas, prefiro dramas, thrillers, horror, policiais e eles predominam.
Há meses, olhando o cardápio da Netflix, constatei que disponibilizava as 3 curtas temporadas de Cuckoo, exibidas pela BBC Three a partir de 2012. Como existe a opção de assistir off-line, baixei tudo pra ver no tablet, naquelas horas ocas de espera pelo horário de pegar a van pra voltar pra casa, percursos de ônibus e afins. Como sitcom tem duração inferior a 30 minutos, é conveniente. Minha escolha por comédias é bem utilitária.
Que acertado pra passar o tempo! Cuckoo preserva certa excentricidade tipicamente inglesa, enquanto a adequa pra ser mais palatável, sem cair na padronização globalizante que deixa tudo ianquizado. A menção aos EUA não é mera farpa colonial; o país é capital na trama da série.
Quando o casal Ken e Lorna Thompson vão ao aeroporto buscar sua sem-sal filha Rachel, descobrem-na casada com um estadunidense new age, que não curte muito trabalhar, fala sobre paz e amor o tempo todo, enfim, um hippie em meio ao neoliberal cenário das Middlands. O contraste desse anacronismo ambulante, mais as patetices do filho boca-suja e escroto Dylan e dum casal de amigos, compõem o humor de Cuckoo, nome do marido de Rachel. Nas temporadas 2 e 3, a personagem não aparece, porque o ator Andy Samberg devia estar ocupado em seu país-natal com Brooklyn Nine-Nine. Cuckoo desaparece no Himalaia, mas em seu lugar aparece o filho - que vivera isolado num bizarro culto asiático e depois na máfia chinesa - mantendo o mesmo nível de nonsense domesticado que seu genitor garantira. Pras leitoras e leitores gays (acho que agora o termo da moda é “não-binário, correto?), o bônus é que Dale é simpaticamente interpretado por Taylor Lautner, da séries Crepúsculo e outras adolescentices. Claro que jamais ouvira falar dele, mas achei-o bom.
É que essa parte do Cuckoo e seu filho era o que menos me interessou. Lógico que parte fulcral da trama e do humor origina-se da idiotice das personagens ianques (tem vingança colonial; e vingança ex-metropolitana existe?) e até me acostumei com Dale pai e depois filho. Mas, do que gostei mesmo foi dos Thompsons (exceto Rachel que é uó de nada a ver!), especialmente do papai Ken, advogado gigantesco, que sempre faz merda; de Dylan mandando os pais tomarem no rabo o tempo todo; de Steve Chance, o amigo escroto que todo mundo detesta; e do resto do universo inglês.
Ou seja, pra variar, o que me atraiu mais foi o criado supostamente pra ser periférico à história do invasor norte-americano. E isso, porque há momentos bem doentinhos de humor negro inglês, como quando Ken acha que seu velho chefe se masturbara vendo um vídeo de Rachel transando na despensa da firma de advocacia. A revelação da verdade, numa reunião onde se celebrava a promoção de Ken é tão politicamente incorreta... Ou quando um molho estragado de batatas recheadas faz uma rave caseira acabar em vomitaço e Dylan... bem, assistam pra ver, mas envolve o sistema excretor.
Cuckoo pode ser acusado de meio que aguar certa particularidade hardcore atribuída ao suposto “humor britânico”, mas qual nacionalidade de humor não tem seu quinhão de vulgaridade? O que fica é que quem curte escapar do que “todo mundo está vendo” e gosta de ser excêntrico na medida, tem que descer ao porão da Netflix e ver Cuckoo. É muito gostoso.

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