A classe média é frequentemente objeto de sátiras e
críticas por estar a meio caminho entre a destituição e a riqueza. Desfrutando do
lado outlet do capitalismo; como os
“pobres”, tem só sua força de trabalho pra vender, então não pode virar classe
alta, mas desconjura ficar baixa.
Esse caminhar na corda bamba informa Showroom (2014), estreia
na ficção do documentarista argentino Fernando Molnar, disponível na Netflix.
O ótimo Diego Peretti é Diego, que perde seu emprego
por ser maduro e desanimado e se vê obrigado a deixar sua vida classe-média
portenha pra viver no meio do mato numa ilhota na vizinha El Tigre. Seu tio é
construtor bem-sucedido e lhe concede emprego de 12 horas diárias no showroom do Palermo Boulevard, torre de
apartamentos chique, que Diego vende, mas não pode adquirir, embora não perceba
isso. A pressão pra vender, a necessidade de sustentar a família, a longa
jornada de labor acrescida do duro e tedioso traslado d’El Tigre a Baires
literalmente alienam Diego da família e de si mesmo.
O cine argentino já provou diversas vezes a competência
pra essas histórias mínimas, insistentes em flashes
do cotidiano, que parecem dizer nada, mas contam parcela do mundo. Showroom pode
não ser o melhor exemplo disso, mas é muito competente e interessante ao
mostrar sem alarde – porque é assim mesmo que ocorre – a robotização de Diego e
sua submissão inconteste a uma situação que elimina sua humanidade.
O problema de Showroom é que, como contraponto mal
delineado da vida urbana capitalista selvagem, escolhe noção rousseauniana
bom-selvagista bastante discutível. A ilha fluvial é apresentada como
alternativa verde, onde a vida comunitária existe idilicamente, conquistando a
filha e a esposa, no início resistentes em abandonar a cinzenta Buenos Aires. Mas
o dinheiro que permite a subsistência das duas nesse paraíso livre de estresse
é o do sucateamento de Diego. Isso jamais é problematizado e é uma dos grandes
dilemas capitalistas.
Como showroom
pra reificação de Diego, Showroom funciona bem, mas sua oferta de solução do
problema ainda está no século XVIII.
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