quinta-feira, 30 de novembro de 2017

TELONA QUENTE 213


Roberto Rillo Bíscaro

É bem grandona a lista de filmes de horror que retratam como se dão mal pessoas que cometem a bobagem de sair do Primeiro Mundo pra se aventurar no Terceiro. A selva do Peru, cultos na América Central, hostels na Eslováquia (Europa Oriental não é Primeiro Mundo) enfim, o primitivismo com que somos associados (Brasil não é Primeiro Mundo, né?) é potente no mundo Horroroso.
Quando selecionei Aftershock (2013), no menu da Netflix, nem pensava nisso. Tudo que queria era ver um disaster film fora do eixo Nova York-Los Angeles. Se A Onda foi legal, quem sabe um terremoto no Chile também não poderia ser? A sinopse apontava pra isso e não estava errada, apenas não assinalava que a película seria mistura de horror em clima de filme de sobrevivência pós-apocalítica bem ao estilo lixo, de produtoras como a legendária Troma. A presença de Eli Roth no elenco deveria ter me alertado que o negócio não seria muito bem comportado.
Em filme-catástrofe, às vezes quase dois terços são gastos com exposição e construção de suspense (redundante, porque escolhemos o filme X, pois sucederá um tsunami). Isso tem a ver com economia orçamentária, mas também tem a função de domar o espectador sobre quem deve gostar, pra quem torcer, com quem se emocionar e anestesiá-lo pras dezenas de outras mortes, que podem constar na categoria “divertida”, porque é de personagem que “merece” perecer ou de figurantes e, quem não conhecemos pode se ferrar que tá de boa!
Em Aftershock, um terço ou mais da parte inicial é usada pra mostrar os amigos se divertindo à beça na colorida e praiana Valparaíso. Estabelecem-se os arrogantes, cusões, piranhas, enfim, todos os que podem morrer e não ligaremos, porque são ou fizeram algo “desabonador”. Há uma final girl que só faltava ter isso tatuado na testa; há o papai com filhota em Los Angeles, ou seja, tem gente “de bem”.
Daí, ocorre o terremoto, mas em na estrutura de Aftershock a apresentação não vale pra absolutamente nada. Não é exagero; você pode tranquilamente botar o filme pra rodar e fazer qualquer outra coisa, porque todo esse tempo não constrói ou prepara pra nada. Comece a prestar atenção, quando a discoteca tremer.
Quem sabe leituras acadêmicas não possam ser feitas no sentido de interpretar todo o introito preparatório como metáfora cínica pós-verdadeira de que nada prepara ou atenua ou justifica nada? Mesmo que assim o seja, a estrutura de Aftershock é cerzida, porque tempo demais é perdido numa exposição que leva a nada.   
O terremoto propicia a fuga de presos, então Aftershock vira exploitation film anos 70, com violência, estupro e nojeira barata. E nenhuma informação disponibilizada na parte pré-terremoto – mal-gravada a ponto de parecer vídeo feito com celular – terá importância no pós-catástrofe, porque o foco é em ver morte sem distinção.
Tem filme que ganha respeitabilidade de parcela “cabeça” de cinéfilos, porque é tão ruim que vira bom; sabe aquela vibe Plan 9 From Outer Space (1959)? Aftershock é tão ruim que não vira bom, mas quem ama mambembice trash pode gostar. Ri gostoso em algumas partes. 

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