Roberto Rillo Bíscaro
Para os não-entusiastas do subgênero, pode surpreender
que o sambado e funkeado Rio de Janeiro tenha cena fértil de rock progressivo.
Mas, tem. E é de lá que vem o segundo LP do Caravela Escarlate.
Idealizado por David Paiva no longínquo início dos anos
90, a Caravela tem passado longos períodos no estaleiro e trocado diversas vezes
de tripulação, que atualmente é composta por David Paiva (vocais, guitarra,
baixo, violão), Ronaldo Rodrigues (teclados) e Élcio Cáfaro (bateria).
Em 2016, o Caravela lançou seu primeiro álbum,
Rascunho, mas ainda como dupla (Paiva e Rodrigues). Como trio plenamente
sinfônico, o álbum homônimo lançado dia 30 de novembro é o primeiro. Nas oito
faixas com vocais evocativos dos anos 70 e letras ecológico-sci fi, a predominância sinfônica
permite laivos de psicodelia e MPB, afinal, que progger brasileiro conseguiu
passar imune não apenas a ancestrais veneráveis como Terço ou Moto-Perpétuo,
mas também ao Clube da Esquina? Além disso, o batera Cáfaro já tocou com
medalhões como Edu Lobo e Chico Buarque.
Atmosfera abre em clima meio fusion com temperos até de MPB, para se sinfonizar no meio e já
antever (anteouvir?) um trabalho cheio de ótimos solos de teclado, baixo
inquieto e bateria sofisticada; os caras tocam muito. E atmosfera é algo que o
Caravela sabe muito bem criar, como seus contemporâneos italianos do Ingranaggi della Valle; confira Planeta-Estrela: começa com efeitos de viagem sideral, que
se vitamina pra virar hard prog quase,
tem larga ponte muito climática meio jazz-rock e de repente tudo para para um
solo de teclado fantasmagórico de filme sci
fi anos 50; só então entra um bocadinho de vocal, enquanto o instrumental
prepara para o arranque dos dois minutos finais, quando baixo e bateria
ziguezagueiam sob solaço de teclado. Uma senhora faixa!
Mesmo soando contemporâneas, a construção das canções
mostra como a rapaziada conhece bem as várias tradições em que está inserida;
dá para sentir como o prog clássico de bandas como PFM ou ELP está no DNA de
faixas como Futuro Passado, onde até o título remete ao clássico cinquentenário
do The Moody Blues, sem falar do final evocativo de The Prophet, do Yes. Longe
de ser cópia, é esse rearranjar de sonoridades com a adição de toques pessoais,
que torna bandas prog sinfônicas contemporâneas, como o Wobbler, tão
interessantes e dignas de escuta. Como o Caravela, que evoca um Vangelis
psicodélico, em Cosmos.
E quem sabe, se estivéssemos entre 1978-1981, Toque de
Constelações, em versão editada, não viraria single para tocar em rádios FM?
Sua pegada pop-prog não desagradaria a fãs de Flávio Venturini, Azymuth &
Cia.
“A caravela escarlate agora está fora do mar/entre as
nuvens e aves/agora ela está a voar” declaram os versos de abertura da
faixa-título. Se essa nau prefere o céu, problema dela, viva a diversidade. Só
esperemos que esse voo prossiga cada vez mais alto e que ela aterrisse mais
vezes, pelo menos de vez em quando, para nos trazer música tão boa.
Mais informações sobre a banda e aquisição do CD na
página do Caravela no Facebook:
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