segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

CAIXA DE MÚSICA 297


Roberto Rillo Bíscaro

Lá por 2009, 10, uma aluna teen particular de inglês, muito conectada e musical, perguntou-me: “Robert (em Penápolis, muitos assim me chamam pela profissão), um tal de George Michael: ele foi famoso?” Talvez tenha sido então que finalmente percebi como os referenciais da década que mais amo já nada significavam pruma geração. Respondi a Natália, que mais ou menos uns 20 anos antes de sua questão, George era um dos astros pop mais famosos do planeta, se não o mais.
Não adotei a coroca postura de lamentar “essa mocidade que não sabe nada”. Imagine se em 1988 eu sabia algo sobre o povo que fizera sucesso nos 60’s, a não ser os inevitáveis Beatles, Stones e um punhadinho de gente mais. A vida pop é assim. A fila não anda, destrambelha. E está correto, se não estaríamos ainda recitando ditirambos.
Eu mesmo abandonei o ex-Wham!; sequer ouvi Older (1996) inteiro e o hit Fastlove nunca está entre as que boto pra tocar no Youtube; até curto, mas foco nos 80’s. Nem sabia que duetou com Mary J. Blige ou Whitney Houston. Ou esquecera?
(Re)descobri vendo o documentário Freedom, que George Michael apenas finalizara, quando surpreendeu com sua morte, no Natal do ano passado. Daí que me dei conta de como só sabia dele mais recentemente, através de pequenas notas sobre escândalos ou doença.
Os 90 minutos são recheados de estrelas da música e da moda, elogiando-o. Como em The Story Of Kate Bush, entrevistados ouvem canções e as comentam e reagem. Freedom usa recurso mais de varanda gourmet, mas ainda assim é esquisito ver as caras do pessoal ouvindo as canções. Nile Rodgers chora; Liam Galagher simula karaokê, enquanto compara Michael a John Lennon e pragueja; Elton John confessa inveja por não ter composto a abertura de Freedom.
Muito competente e elegantemente controlado pelo artista, Freedom não revela “podres”, como a prisão por solicitação sexual em Hollywood. George saiu do armário porque estava pronto, não porque foi puxado por um escândalo. Sei.
Também discorre muito sobre o processo movido contra a Sony, porque o artista se considerava escravo (bilhões discordariam de você, Georgy Porgy!). Há que se notar a eloquente ausência da outra metade do Wham!, Andrew Ridgeley. Será que o “melhor amigo” não é tão A-lister como Mark Ronson ou Steve Wonder? One wonders.
Mas, no que foca, Freedom o faz com gosto e sensibilidade, confessando sem pudor que George Michael sempre sonhou em ser superestrela, mas quando isso ocorreu, não imaginava que seria em proporções de supernova. Faith, seu torpedo pop soul, de 1988, papou até os mais cobiçados prêmios da música negra e isso não passa impune. O cara tinha talento, isso não dá para negar: ele duetou com Aretha Franklin ainda nos 80’s!
George Michael escolheu a estrutura narrativa da diva solitária, abatida por tragédias e descontente com a fama, que resolve afastar-se dos holofotes, daí a ausência de promoção do álbum Freedom.
Essa escolha narrativa possibilita a tocante sinceridade de Freedom, porque o músico dedica generosa porção a seu namorado brasileiro Anselmo Feleppa, falecido em 93 devido a complicações pelo HIV. Admitido como o amor de sua vida, Michael sequer pôde expressar sua dor publicamente, porque ainda faltavam anos pra que assumisse publicamente sua homossexualidade. Sua raiva então foi canalizada para o processo contra a Sony e rendeu uma de suas performances ao vivo mais reconhecidas, o tributo a Fred Mercury, também morto devido ao HIV. Imagine saber que você pode ser portador de um vírus letal, perder o namorado e depois a mãe, de câncer.
Eu nem me lembrava da rusga entre George e a Sony e não creio que faça muita questão de visitar o trabalho pós-Freedom, o álbum, do qual esquecera até de faixas. Provável que nem Freedom o álbum, eu revisite pra re-relembrar das canções olvidadas.
A dor e a delícia do pop talvez seja a de ser tão fugaz que deixa apenas algumas marcas, essas indeléveis; jamais viverei sem Careless Whispers. Mas, depois que passa a bola de fogo do cometa, a gente realmente não se interessa mais tanto pela cauda.

Seja como for, Freedom, o documentário, serve muito pra novas gerações conhecerem o auge desse superastro falecido há um ano. Também faz quem acompanhou seu apogeu rememorar. Certamente haverá quem terá curiosidade de conhecer o que veio depois de Freedom, o álbum, ou Older. Tomara.

2 comentários:

  1. Caro Roberto,

    "Older" é, sem dúvida alguma, a grande obra do George.

    A única em que pode, verdadeiramente, demonstrar a sua visão de arte, muito paradoxal, pois mistura a dança do soul com uma profunda melancolia, visível nas letras de desilusão amorosa e profissional.

    Vale a pena dar uma chance.

    Abs.

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