MINHA CARTA NATALINA: 2018
Jose Carlos Sebe Bom Meihy
Antes, rezava-se diante dos presépios singelos, em casa, invocando Deus-menino.
Suplicava-se por graças domésticas, coisa pequena, restrita ao âmbito do lar. Parece que o mundo cresceu em ordem progressiva, e assim os negócios se alargaram, e, então passou-se a escrever cartas para o Papai Noel. Sim, os natais mudaram – já anunciava Machado de Assis – mas não se esperava tanto. Na largura dos novos tempos, ainda se pede paz, harmonia, felicidade, mas, menos esperançosos, acabamos por detalhar medos. Reparem que ao evocar qualquer qualidade, o fazemos pensando em possíveis temores próximos.
Comecemos pelos convencionais votos correntes nesta época: Feliz Natal, Boas Festas, Próspero Ano Novo... Ups, Próspero Ano Novo?! Há alguma perspectiva desse último pregão? Próspero Ano Novo?! Em que sentido?! Qualquer resposta a tal questão implica explanações. Vivemos dias difíceis, sabe-se. Entre tantas arestas a serem arredondadas no circuito da vida contemporânea, algumas ganham destaques: no panorama internacional, além dos ameaçadores temas ambientais, dos apocalíticos dizeres de guerra nuclear, temos um temerário líder, Kim Jong-Woon lançando misseis de longo alcance. Do outro lado, um rival, Trump, ironiza a situação, pondo em riscos uma guerra intercontinental. O mesmo presidente dos Estados Unidos, aliás, joga o mundo árabe em possível guerra ao mudar a capital de Telavive para Jerusalém, apenas para manter promessa de campanha. As notícias de leilão, na Líbia, de homens foragidos à caminho da Europa se completam com a divulgação de casos como das mulheres mauritanas, duas irmãs, Magboula e Sahida Mohamed, contratadas como empregadas domésticas na Arábia Saudita, mas que acabaram escravizadas e barbarizadas em torturas.
Nem é preciso ir longe para diagnosticar a barbárie em que se vive. No Brasil, dói admitir que balas perdidas atingem até fetos em ventre maternos e que 132 policiais foram mortos este ano no Rio de Janeiro, motivados pelas guerras aos bandidos organizados em bandos. E o que dizer do aumento do número de moradores de rua que, em seis meses, na capital carioca, passou de 8 para 15 mil? Isso ao mesmo tempo em que um governo venal anuncia aumento da economia e dos níveis de emprego. Por certo os bancos, as grandes empresas, os safados do alto comando estão sorrindo, mas os vitimados pelas reformas trabalhista e ameaçados pela previdenciária... O inventário seria longo e trágico demais para caber numa carta natalina. Vale contudo, enumerar algumas urgências que precisam ser filtradas. Depois de muito pensar, a questão da divisão do pais em dois blocos que se odeiam, coloca entre as prioridades o pacto político. O ano que avança trará como prioridade o tema sucessório. O lado bom dessa oportunidade, a renovação desejável, convive com a ameaça cada vez mais gigantesca de acirramentos e discórdias. À complicar tudo, o piadismo nas redes sociais, as ironias e apontamentos grotescos de personagens públicos, garante combustível para agregações ameaçadoras. Isso, por sua vez, extrema diferenças que anulam diálogos mais que necessários. O risco imediato é que tenhamos uma campanha sem diálogo. A decantada unidade nacional, a tal fala que nos distinguia como cultura da alegria e da concórdia, está muito longe de ser exercitada.
Mas, é fim de ano, tempo de “boas festas”. Para exercitar isso, para não perder o fôlego em anúncio negativo, resta reverter em nível pessoal o caminho andado em direção da velha tradição. Temos que voltar a rezar. Como crença ou não, com ardor ou sem ele, vale recobrar a postura antiga que colocava os pressupostos do cristianismo como ponto de partida para novos começos. Assim, minha carta natalina perde o sentido comercial e num gesto de boa vontade, humildemente, volta a ser uma oração quase religiosa. Sinto-me aliviado, pois, para desejar a todos FELIZ NATAL.
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