terça-feira, 19 de dezembro de 2017

TELINHA QUENTE 290


Roberto Rillo Bíscaro

Embora goste de alguns filmes de ficção-científica, não me denomino geek ou nerd, porque me desinteressam aprofundamentos científico-tecnológicos; nem tenho saco pra fuçar além do 1% que sei fazer no PC ou smartphone. Não busco/baixo aplicativos, não me interessa nem remotamente saber sobre eclipses ou órbitas. Pra se ter ideia, soube que o Homem conseguiu fazer foguete aterrissar verticalmente em um site chamado Classic Sci Fi Movies!
Mas, curto o planeta Marte, porque tantos filmes dos anos 1950 eram sobre e pelo poder que exerce na imaginação terráquea há tanto tempo. Houve época não muito remota em que se tinha como fato científico de que havia vida por lá; só faltava alcançá-la ou que viesse até nós. Uma dessas visões de visita marciana distópica foi A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, que alimentou a ficção cinematográfica cinquentista, até porque o planeta é vermelho, como os comunistas que essas produções podiam metaforizar.
Sondas norte-americanas e soviéticas demoliram o castelo no espaço construído pela imaginação de vida inteligente marciana, mas o sonho de visitar e até colonizar o Planeta Vermelho persiste, embora a Lua tenha tomado seu holofote por uns poucos anos.
Toda essa tradição marciana aliada ao fato de que era docudrama, animou-me a ver os seis capítulos de Marte (2016), produzidos pela National Geographic, que pousaram sem alarde no catálogo da Netflix, no ocaso de novembro. Docudrama é neologismo anglófono que designa obra cujo gênero se situa entre a ficção e o documentário.
Dirigido pelo badalado Ron Howard e baseado em best-seller, Marte balanceia muito bem suas porções real e fictícia. Em poucos minutos, o espectador entende a convenção: Marte paraleliza 2 tempos; o real 2016 e o ficcional, 2033. Isso é marcado mediante números gigantescos na tela; não tem como se confundir.
A parte documental de 2016 é recheada de superestrelas do mundo científico e do comercial que (quer) lucra(r) com aquele, embora o significado para pesquisas e possíveis consequências de enxergar Marte como “produto” jamais sejam discutidos. Marte nem cogita se a recessão capitalista dos anos 70/80 possa ter influenciado no esfriamento do interesse por missões à lua e a adoção do projeto do ônibus espacial em detrimento de possível programa de exploração marciana. É tudo na base do idealismo científico, da vontade e do sonho, embora a questão monetária esteja presente o tempo todo devido ao custo extraordinário que tais programas teriam.
Com relação à parte técnica e científica, porém, Marte fala tudo que um leigo interessado precisa saber. O programa mostra alguns dos principais tópicos a se considerar pruma expedição de colonização. A empreita marciana seria hercúlea e envolveria preocupações que vão desde a possibilidade de se pousar na vertical pra permitir o retorno de foguetes, até possíveis e potenciais sequelas psicológicas, decorrentes do confinamento prolongado em grupo minúsculo de pessoas, sem possiblidade de abandonar esse habitat. Tudo abordado de modo simples, objetivo, pra nós que não somos astrofísicos e temos saco raso.
O programa não deixa de cair na armadilha da idealização negativa, a saber, chamar Marte de cruel e por aí afora. Marte é bola gelada e poeirenta de rocha, nada mais, não é malvado, é apenas uma maldita coisa! Com o histórico das aventuras colonizadoras e civilizatórias da espécie humana, azar do planeta que tiver vida e nós pousarmos nele. Ainda mais com todas essas empresas querendo abocanhar mercados. Pena que Marte é bom moço (é nada!) demais pra dar essas espetadas.
A parte ficcional, de 2033, dramatiza (mas nem sempre) e dialoga (nem sempre) com a parte documental e as 2 se intercalam durante toda a duração do episódio, fazendo com que o fluxo do programa não aborreça com a parte potencialmente mais devagar do documentário.
Na ficção, grupo de cientistas internacionais vão pra Marte iniciar colônia. As agruras da viagem não são o foco e a gente se pergunta como os astronautas estavam tão elásticos depois de 7 meses dentro da nave, perdendo massa muscular (repare que da segunda leva em diante, isso passa a ser um desconforto) e quem faz os penteados das moças, mas isso não desabona a dramatização, que logra, inclusive, proporcionar momentos de genuíno suspense.
Marte pode ser desfrutado por múltiplos nichos de interesse e idade, pena que a Netflix não tenha destinado verba de divulgação. Mas, isso, podemos fazer nós.

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