Roberto Rillo Bíscaro
Embora goste de alguns filmes de ficção-científica, não
me denomino geek ou nerd, porque me desinteressam
aprofundamentos científico-tecnológicos; nem tenho saco pra fuçar além do 1%
que sei fazer no PC ou smartphone. Não
busco/baixo aplicativos, não me interessa nem remotamente saber sobre eclipses
ou órbitas. Pra se ter ideia, soube que o Homem conseguiu fazer foguete
aterrissar verticalmente em um site chamado Classic Sci Fi Movies!
Mas, curto o planeta Marte, porque tantos filmes dos
anos 1950 eram sobre e pelo poder que exerce na imaginação terráquea há tanto
tempo. Houve época não muito remota em que se tinha como fato científico de que
havia vida por lá; só faltava alcançá-la ou que viesse até nós. Uma dessas
visões de visita marciana distópica foi A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells,
que alimentou a ficção cinematográfica cinquentista, até porque o planeta é
vermelho, como os comunistas que essas produções podiam metaforizar.
Sondas norte-americanas e soviéticas demoliram o
castelo no espaço construído pela imaginação de vida inteligente marciana, mas
o sonho de visitar e até colonizar o Planeta Vermelho persiste, embora a Lua
tenha tomado seu holofote por uns poucos anos.
Toda essa tradição marciana aliada ao fato de que era
docudrama, animou-me a ver os seis capítulos de Marte (2016), produzidos pela
National Geographic, que pousaram sem alarde no catálogo da Netflix, no ocaso
de novembro. Docudrama é neologismo anglófono que designa obra cujo gênero se situa
entre a ficção e o documentário.
Dirigido pelo badalado Ron Howard e baseado em best-seller, Marte balanceia muito bem
suas porções real e fictícia. Em poucos minutos, o espectador entende a
convenção: Marte paraleliza 2 tempos; o real 2016 e o ficcional, 2033. Isso é
marcado mediante números gigantescos na tela; não tem como se confundir.
A parte documental de 2016 é recheada de superestrelas
do mundo científico e do comercial que (quer) lucra(r) com aquele, embora o
significado para pesquisas e possíveis consequências de enxergar Marte como “produto”
jamais sejam discutidos. Marte nem cogita se a recessão capitalista dos anos
70/80 possa ter influenciado no esfriamento do interesse por missões à lua e a
adoção do projeto do ônibus espacial em detrimento de possível programa de
exploração marciana. É tudo na base do idealismo científico, da vontade e do
sonho, embora a questão monetária esteja presente o tempo todo devido ao custo
extraordinário que tais programas teriam.
Com relação à parte técnica e científica, porém, Marte
fala tudo que um leigo interessado precisa saber. O programa mostra alguns dos
principais tópicos a se considerar pruma expedição de colonização. A empreita
marciana seria hercúlea e envolveria preocupações que vão desde a possibilidade
de se pousar na vertical pra permitir o retorno de foguetes, até possíveis e
potenciais sequelas psicológicas, decorrentes do confinamento prolongado em
grupo minúsculo de pessoas, sem possiblidade de abandonar esse habitat. Tudo
abordado de modo simples, objetivo, pra nós que não somos astrofísicos e temos
saco raso.
O programa não deixa de cair na armadilha da
idealização negativa, a saber, chamar Marte de cruel e por aí afora. Marte é bola
gelada e poeirenta de rocha, nada mais, não é malvado, é apenas uma maldita
coisa! Com o histórico das aventuras colonizadoras e civilizatórias da espécie
humana, azar do planeta que tiver vida e nós pousarmos nele. Ainda mais com
todas essas empresas querendo abocanhar mercados. Pena que Marte é bom moço (é
nada!) demais pra dar essas espetadas.
A parte ficcional, de 2033, dramatiza (mas nem sempre)
e dialoga (nem sempre) com a parte documental e as 2 se intercalam durante toda
a duração do episódio, fazendo com que o fluxo do programa não aborreça com a
parte potencialmente mais devagar do documentário.
Na ficção, grupo de cientistas internacionais vão pra
Marte iniciar colônia. As agruras da viagem não são o foco e a gente se
pergunta como os astronautas estavam tão elásticos depois de 7 meses dentro da
nave, perdendo massa muscular (repare que da segunda leva em diante, isso passa
a ser um desconforto) e quem faz os penteados das moças, mas isso não desabona
a dramatização, que logra, inclusive, proporcionar momentos de genuíno
suspense.
Marte pode ser desfrutado
por múltiplos nichos de interesse e idade, pena que a Netflix não tenha
destinado verba de divulgação. Mas, isso, podemos fazer nós.
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